Palavras Domesticadas

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quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Contracultura, Misticismo e Flower Power


Luiz Carlos Maciel foi um dos primeiros jornalistas brasileiros a falar em contracultura, movimento hippie e todos seus desdobramentos. No início dos anos 70 mantinha no jornal O Pasquim a coluna “Underground”, que tratava exatamente desses assuntos. Um dia falarei aqui nesse espaço sobre essa coluna. No momento vou transcrever uma matéria que ele escreveu já nos anos 80, também no Pasquim, mas não mais em sua coluna. O texto se intitula Vocês Lembram do Flower Power? É bem interessante. Lá vai:
“1968 foi o ano da contestação política. Os estudantes franceses incendiavam os automóveis nas ruas de Paris, enquanto os hippies americanos brigavam com a polícia de Chicago. 1969 foi um ano diferente: parece que cada um foi para seu canto e o protesto tornou-se mais uma vez passivo e quieto. A imprensa passou a dedicar seu espaço às drogas, amor livre e rock and roll. O conflito de gerações definiu-se como uma oposição entre a booze generation – a geração da birita, os mais velhos – e a pot generation – a geração da maconha, os mais jovens. Desfez-se o sonho da eficácia da ação política. Cada um entrou na sua. Os primeiros hippies surgiram em princípios da década de 60, por puro hedonismo. Entende-se a palavra sem as conotações de uma satânica caça ao prazer com que a moralidade tradicional a envolveu, como desejo simples, elementar pela felicidade da vida humana. O primeiro impulso do movimento hippie foi uma mistura de Russeau, Thorerau, Reich e Thimotty Leary: acreditava na volta à Natureza e na cura da neurose através dos alucinógenos. Descobriu-se, então, o chamado Flower Power, o poder da flor sobre o poder das armas, automóveis, televisores, computadores e outros objetos malignos, criados pela mão do homem. Os hippies desprezavam as máquinas e, na trilha de Reich, repeliram o erotismo artificial e valorizaram a gratificação natural do instinto. Uma das primeiras indicações científicas que se fez do LSD era a de que uma só dose era equivalente a anos de análise ou terapia intensiva. As pessoas tomavam ácido para resolver seus problemas pessoais, seus hang-ups, melhorando suas relações com os outros e com o mundo. A contracultura nasceu, como a psicanálise, por uma necessidade de limpeza psíquica, um projeto de felicidade individual e coletiva que, entretanto, cedo esbarrou na oposição do Establishment. O misticismo foi o aspecto extremo do movimento hippie que, em última análise, se caracterizou por uma mistura alucinante de todos os êxtases. Entretanto, à margem das religiões organizadas das seitas institucionaliadas e das limitações doutrinárias, há uma tradição espiritual secreta, inominada, que, neste século (no caso do texto, séc.xx), vem surgindo misteriosamente em cada nova geração. Nos anos 50, um repórter perguntou a Jack Kerouac, o que a geração dele queria, afinal de contas, e ele respondeu: - Deus. Queremos que Deus nos mostra a Sua face."

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