Palavras Domesticadas

Palavras Domesticadas

domingo, 24 de julho de 2011

A Grande Verdade de Thomás Thomé - O Voo da Borboleta Imaginária


Existem coisas mais importantes e urgentes do que simplesmente ficar observando o voo da borboleta imaginária. Se fixar no nada, no inexistente, com os olhos travestidos de desbravadores de um falso universo paralelo. É preciso antes de tudo procurar mover os moinhos da existência através da força do pensamento. Fazer ecoar o grande grito de liberdade e arrebentar as correntes que encarceram nossos impulsos elementares.

O vento e o sol serão testemunhas de um novo mundo que se formará diante de nós, onde cada palavra ocupará seu lugar exato no universo verbal e soará como um trovão, entre luzes de relâmpagos numa tempestade de verdades que inundará nossas mentes.
Ao nos libertarmos dos falsos valores que nos são impostos, rompemos o cordão de isolamento que nos reprime, invadimos a pista e adentramos pelos quarteis-generais da auto-repressão, marcando a ferro e fogo nossa presença, redescobrindo sentidos reais para nossas vidas, sem perdermos a visão geral do que nos é essencial. Não sentir a passagem do tempo a observsar o voo da borboleta imaginária.

sábado, 23 de julho de 2011

A Prisão de Gilberto Gil - 1976


Em 1976 Gilberto Gil, Caetano Veloso, Gal Costa e Maria Bethânia se uniram para formar um grupo que se chamou Os Doces Bárbaros, e saíram em excursão por várias capitais do Brasil. Em Florianópolis a polícia local prendeu Gilberto Gil e o baterista Chiquinho Azevedo, por posse ilegal de maconha, e o caso ganhou ampla repercussão. O filme Os Doces Bárbaros, um documentário sobre o grupo, mostra cenas do depoimento de Gil na delegacia. A revista semanal Fatos e Fotos na ocasião fez uma matéria sobre o caso, intitulada Gilberto Gil - "Eu não sabia que era crime fumar maconha". Abaixo, alguns trechos da matéria:
"A intenção do delegado Elói Gonçalves de Azevedo não era prender os Doces Bárbaros -Gilberto Gil, Caetano Veloso, Gal Costa e Maria Bethânia - por porte ilegal de maconha. Quem, o policial queria ver atrás das grades era o jornalista Beto Studieck, do jornal O Estado, de Florianópolis. Antes do horário estipulado pela lei para efetuar a invasão de um domicílio suspeito, ele entrou no apartamento do jornalista e nada encontrou. Para não perder a viagem, reuniu a equipe e rumou para o Hotel Ivoram, onde não só os Doces Bárbaros estavam hospedados, como os seus técnicos, músicos, empresários e acompanhantes. Após se identificar na gerência e conseguir a relação dos hóspedes, o delegado e equipe passaram à ação. O primeiro apartamento vistoriado foi o 306, de Gilberto Gil.

- 'Nós batemos à porta. Quando o cantor respondeu, falamos que era da gerência - conta o delegado Elói. - Gil veio atender, perguntou qual era o assunto. Me identifiquei e revelei as razões que me levavam a fazer uma revista no apartamento. Sem se perturbar, o cantor abriu a porta, mandando que entrássemos. Procedemos ao exame dos armários e roupas. Quando encontramos na carteira o cigarro de maconha, perguntamos se ele era o dono da carteira e do cigarro. Sem perder a calma, Gil respondeu afirmativamente. Disse ainda que sabia ser ilegal o porte e a venda, mas a maconha era para o seu uso. Dei-lhe voz de prisão. Fomos revistar os outros quartos. O seguinte foi o de Gal Costa. Ela não estava. A moça que ali encontramos disse que ela havia dormido no apartamento de Maria Bethânia. Seguimos para o quarto de Caetano Veloso. Percebendo que éramos da polícia, Caetano começou a gritar por socorro. Quando se acalmou, pediu desculpas, dizendo que ainda estava sonhando. Examinamos o seu quarto e encontramos um vidro de Valium. Ele disse que o mesmo tinha sido comprado com receita médica, o que mais tarde foi comprovado'.
No apartamento 406 encontraram Maria Bethânia e Gal, que também estavam dormindo e receberam os policiais vestindo trajes bastante sumários. Maria Bethânia ficou tranquila, enquanto Gal reclamava da maneira como haviam invadido o apartamento. Ali encontraram ´"pó de pema" e outros materiais usados por Bethânia no culto de sua religião. Na dúvida, recolheram tudo para exame de laboratório. No apartamento 308 encontraram não só alguns cigarros (baseados), como uma boa quantidade de maconha prensada, que daria 'para mais uns 30 ou mais cigarros bem feitos'. Os suspeitos e flagrados foram foram colocados no apartamento de Caetano Veloso. No final, só Gilberto Gil, Chiquinho e Djalma foram conduzidos até a delegacia para serem autuados.
Perante o juiz, Gil declarou que havia começado a fumar maconha há oito anos, numa fase de ansiedade aguda. Disse desconhecer que o ato de fumar maconha representava um crime, embora sabendo que o tráfico e o porte eram passíveis de punição. Justificou também o vício como 'uma maneira de melhor atingir uma introspecção mística necessária para se concentrar'. Não fez segredo de ter provado LSD no período em que morou em Londres, mas que não havia se tornado um dependente.
Roberto Carlos telefonou do México, oferecendo seu advogado para cuidar dos assuntos de Gil.
- 'Há males que vêm para bem - diz Gilberto Gil. - Essa hospitalidade eu já conhecia mas não sabia ser tão grande. Foi por isso que eu e o Caetano insistimos em fazer a apresentação em Florianópolis. E tudo o que está acontecendo comigo não modificou em nada a admiração que sentia antes. Pelo contrário, jamais irei esquecer a pessoa do juiz Palma Ribeiro, pelo seu equilíbrio, e do Dr. Pedro Largura, pela sua inteligência, sensibilidade e compreensão.'"

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Caetano no Exílio, Vindo ao Brasil - 1971


Em uma postagem anterior, falei sobre o exílio de Caetano Veloso em Londres, citando a letra de London London para demonstrar seu estado de espírito naquele período. Porém durante sua estada na Inglaterra, ele chegou a cometer um ato um tanto imprudente e arriscado: fez uma rápida viagem ao Brasil, para visitar os familiares, por conta dos 40 anos de casamento de seus pais. Caetano sentia muitas saudades do Brasil, vivia deprimido com a distância e o frio de Londres, mas visitar o Brasil sem autorização dos militares era por demais arriscado. Segundo Caetano, quem o encorajou a desafiar a ditadura foi João Gilberto, que afirmou que ele poderia vir, que nada iria acontecer com ele. Como Caetano via em João um profeta ou algo assim, se encheu de coragem e desembarcou no Brasil junto a Dedé Gadelha, sua esposa na época, em janeiro de 1971. E como João Gilberto havia previsto, surpreendentemente nada aconteceu. A revista O Cruzeiro na época fez uma reportagem sobre essa rápida vinda de Caetano, intitulada "Caetano de Volta à Bahia´- Prefiro viver aqui"
"Salvador - O ambiente no apartamento do Edifício Andarahy, fundos do colégio Estadual da Bahia, está quase como na casa da infância dos meninos de dona Canô, em Santo Amaro: mesa grande na sala, flores, papéis coloridos para enfeite e cobertura dos frios da festa que hoje é de toda a família. Maria Bethânia usa uma camisa do Flamengo. Dedé está descalça. Há muitos abraços, beijos, amigos, parentes - uma agradável confusão.

Caetano surge na copa. Vem mascando chiclete.
- Até onde pretende ir - você que é tido como como renovador da música popular brasileira - para expressar-se musicalmente?
- Não pretendo ir muito longe. Pretendo voltar para a Bahia.
Caetano tem nas mãos algumas folhas de papel com mais de cem perguntas endereçadas por jornalistas daqui e de outras publicações nacionais. Uma delas é sobre os Beatles ('Dizem que você é um imitador deles...')
- Na verdade, os Beatles foram muito importantes para mim. Não tanto pelas músicas que faziam e sim porque eles existiam.
Sentado no chão, ele olha um retrato antigo de uma imagem em procissão. Ligeiro intervalo de silêncio, e a voz sai com certa amargura:
- Hoje, nem sei se minha música é mesmo válida. Todo mundo sabe que a música popular da Inglaterra e dos Estados Unidos foi de uma grande importância na década de 60. No início desta nova década, já se sente o esvaziamento desse movimento. Os Rolling Stones continuam sendo a presença mais forte da música inglesa. Mas o último disco de John Lennon é a coisa mais bacana que já se fez lá.

De repente os sobrinhos e primos o cercam: 'Cae!, Cae!'. O apelido da intimidade, que há muito não ouvia, comove Caetano, que abraça a todos.
- Você e sua mulher passaram fome em Londres?
- Nunca passei fome. Nem mesmo em Londres. Faturei bem no Brasil, e as minhas músicas davam-nos condições de viver bem, com os direitos autorais.
Mais parentes, mais amigos vão chegando. Querem saber quando ele voltará definitivamente para o Brasil.
- Não sei quando. O certo é que não aguento o frio e a vida fora desta vida. Fiquem tranquilos que meu filho nasce na Bahia.
- Alguma emoção especial na Inglaterra ou em outro país?
- Fiquei muito emocionado quando vi Jimi Hendrix tocando na Ilha de Wight.
É conversa para muitas noites, há muito o que dizer. Todo mundo quer falar, perguntar. De lá da cozinha, vem a voz da dona Canô:
- Cae, precisa se preparar para a missa, meu filho!

Rodrigo, o irmão de Caetano, que tem quase o mesmo rosto e o mesmo físico, informa:
- O padre da Igreja da Misericórdia disse que se soubesse que essa missa era para nossa família, não a celebraria. Tudo por causa do Caetano.
Há mais perguntas, Caetano respónde sempre. 'Em fevereiro sairá na Inglaterra, meu primeiro LP em inglês. Acho que nossa música popular está numa fase indefinida'.
- Depois dessa viagem, você se sente cidadão do mundo?
- Poderia viver em qualquer país. Mas a Bahia é Bahia. Prefiro viver aqui."

quinta-feira, 14 de julho de 2011

O Sabor das Palavras


Hoje eu percebo que o sabor que certas palavras deixam em nossas bocas só é percebido quando a memória retoma o poder de retroceder o tempo, fazendo um replay em nossas cabeças. Na verdade, existem frases que de tal maneira tornam-se marcantes, que nos é possível saborear cada palavra como se saboreia um sorvete, às vezes até nos engasgando com os pontiagudos circunflexos e os anzois dos pontos de interrogação.
A palavra fácil, o verbo desprovido de vaidade vocabular, não precisam trazer a sofisticação de frases de uso não-cotidiano a passear com seus trajes a rigor pelas movimentadas avenidas de nosso idioma. É como se deixar levar pela falta de compromisso com sonoridades nobres, num papo de botequim em um fim de tarde, onde os assuntos se sucedem como folhas de papel a voar, governadas pela ventania de ideias descompromissadas com o profundo. Porém mortais e coletivamente dependentes são as palavras não esclarecidas, trazendo dúvidas onde se esperava obviedades. Buscando, embora nem sempre com êxito, um ponto equidistante entre a dúvida e a certeza. Sem dúvida.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Ligações On'Pidididíri


Nos anos 90, aconteceu o fenômeno dos fanzines. Essas publicações eram produzidas de várias formas, das mais rudimentares e artesanais, até algumas com melhores tecnologias. Fui um consumidor desse tipo de manifestação, e ainda tenho vários deles, aliás, quase todos que recebia. Um dia resolvi também produzir um fanzine próprio, e criei Ligações On'Pidididíri. Produzi poucas edições - somente três, e não tenho guardado nenhum exemplar. Há pouco procurei alguns originais que ainda tinha, mas por não encontrar, achei que tinha perdido. Agora, recentemente, acabei encontrando esses originais.


O nº 1 trazia uma matéria sobre os Novos Baianos. O texto escrito à maquina e com as fotos recortadas e coladas, era xerocado, com a capa e as páginas grampeadas.
Como não tinha o recurso do computador, eu usei na matéria sobre os Novos Baianos aquelas letras que se fixam na folha após raspadas por trás, como um decalque. Eu tinha poucas letras disponíveis. Só tinha duas letras "o", e o nome Novos Baianos tem três. Então tive que pegar uma letra 'q" e tirei a parte de baixo, para virar um "o". Não é preciso observar muito, que as letras ficaram tortas. As ilustrações que usava eram de um arquivo próprio de fotos que há anos recortava de jornais e revistas, que aliás ainda tenho.

O nome Ligações On'Pidididíri (que é paroxítono, ou seja, rima com "adquire") eu compus da seguinte forma: usei a palavra ligações, e para reforçar usei a palavra on, que em aparelhos eletrônicos especifica que ele está ligado. O uso da apóstrofe é apenas por razões estéticas. Pidididíri é uma onomatopeia para especificar algumas improvisações vocais muito usadas por cantores de jazz e também de Bossa Nova, especificando o caráter de improviso que a publicação representava .
Normalmente eu usava o Ligações como moeda de troca, por outros fanzines.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

O Jazz e a Indiferença Literária


A revista Música nº 70, de 1983, trazia uma interessante matéria sobre o pouco uso do jazz em importantes obras da literatura. Assinada pelo crítico Hélio Helman, o texto dizia em sua chamada que "apesar de um passado rico, com mitos marginalizados e histórias dramáticas, o jazz acabou desprezado pela ficção". Abaixo, trechos da matéria:
"Embora em termos de influência o jazz tenha atingido como uma metralhadora giratória todas as manifestações artísticas do século, é de causar pasmo que um dos alvos mais visíveis aqui, a literatura, tenha sido pouco afetado. Numa comparação rápida, o jazz guarda estreito parentesco com o futebol brasileiro que, inegável mola propulsora cultural, não rendeu até hoje obras-primas em prosa e verso, descontando-se a excessão (que só confirma a regra) da peça Chatuba Futebol Clube, de Oduvaldo Viana Filho.
O fato é que a literatura tem se servido desse filão riquíssimo que é o jazz, praticamente só como música incidental, composição de ambiente. Uma atitude imperdoável para com a uma área superpopulada de personagens incompreendidos, marginalizados - campo fértil para qualquer autor. Citar a vida de Charlie Parker, o mito supremo, chega a ser covardia. Mas que dizer da derrocada de Billie Holliday; da luta de Miles Davis contra os demônios das drogas; dos internamentos de Lester Young e Bud Powell; da festa que foi a vida e época daquele que já foi chamado de um dos maiores poetas em língua inglesa, Cole Porter? E não é só isso: algumas escolas do jazz têm um passado coloridíssimo. Vejam só o be bop ou o hardbop, frutos de estudos incessantes dos negros, que em seus guetos buscaram rechaçar o comercialóide jazz branco. A relação de temas não caberia numa lista telefônica só.
O reconhecimento dos beatnicks
Todo esse efervescente caldo de cultura não tem passado de pasto para traças da literatura. Desde o começo do século, quando irrompeu nos EUA, o jazz foi mero pano de fundo literário. Um aparecimento mais consistente na literatura americana (fico nela por ser a mais importante da atualidade e pelo seu acesso natural ao jazz, ocorreu no livro Seis Contos da Era do Jazz, onde no ensaio introdutório e na atmosfera fabricante dos contos, Scott Fitzgerald se refere à loucura dos anos 20 nos EUA, utilizando entre as referências da época as bandas do estilo Chicago e swing que animavam já as festas da alta sociedade branca. Daí para a frente, todas as tentativas de pôr no papel o american way of life esnobaram solenemente o jazz. No máximo, ele comparecia num conjunto de fundo numa barcaça que descia o Mississipi ou num cabaré qualquer de Nova Iorque.
O jazz ganhou espaço significativo nos círculos literários a partir dos anos 50, com a geração beatnick, que comandada por jazzófilos fanáticos como Jack Kerouac, colocou algo do espírito e bastidores do jazz em seus textos. Mais que vanguarda literária, o movimento beatnick, hoje se sabe, impôs um estilo de vida em muito precursor dos hippies, yippies, seitas orientais e tutti quanti. E o jazz, através de músicos como Bird, Lester, Miles, Sonny Rollins e Bud Powell, tornou-se umas das referências imediatas para a identificação desta geração. Mas o movimento beat, além de comprador fiel de LPs e ouvinte capaz de prestigiar músicos na noite, também serviu-se do jazz por sua postura avessa às concessões comerciais e pela liberdade de criação. Kerouac, por exemplo, põe seus personagens volta e meia escutando jazz na obra prima beat, On The Road, e, para não nos alongarmos, recitava seus textos em meio a trechos de jazz em shows nos cafés do Village (NY)"

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Clara Brito - Sesc Campos


O Sesc continua a representar uma ótima opção cultural para aqueles que procuram novas alternativas na cidade, que hoje oferece tão poucos espaços para os artistas da terra. O projeto Urbanidades, que teve início na noite de ontem, trouxe em sua abertura um show de uma nova cantora: Clara Brito. Conhecia pouco o trabalho de Clara, apenas algumas participações na banda Avyadores do Brazyl, sendo que o vocal na gravação de Indi/Gesta (talvez a última gravação feita pelo grande Luiz Ribeiro) foi a mais significativa. Luiz, por sinal, foi citado por ela como um grande mestre, e quem lhe apresentou o blues, de uma forma mais contundente. Também a havia assistido em uma pequena participação em shows da banda 401, formada por ex-membros da banda de Luiz, além de outra participação, cantando Mercedez Benz, do repertório de Janis Joplin, num show do guitarrista Big Joe Manfra. Sua bela voz e interpretação me chamaram a atenção.
Ontem pude assistir pela primeira vez a um show solo de Clara, no Sesc. Acompanhando-se ao violão, além de trazer a participação de Sérgio Máximo na guitarra e André Aguiar na harmônica, Clara pôde trazer ao público um show próprio, com seu trabalho vocal e autoral, além de covers nacionais e internacionais. Seu trabalho autoral é de boa qualidade, já deixando claro uma maturidade musical e um bom ouvido para construir melodias. "Ateu, Graças a Deus", por exemplo, fala de suas mal sucedidas experiências religiosas, de uma forma um tanto iconoclasta, mas sincera. Aliás, segundo ela, suas primeiras experiências no canto foram através de músicas gospel, que até pode ter lhe valido como experiência, mas seria uma pena ver sua bela e potente voz ser desperdiçada com aquelas músicas chatinhas. Outras composições próprias, como um samba que fala da rua Gil de Góis, mais especificamente de seu aspecto boêmio, bares, etc. Aliás, a palavra "estranho" aparece na letra sem fazer uma referência direta ao famoso e finado bar que fez história naquela conhecida esquina, mas com certeza é uma citação. "Morfeu" é outra composição autoral, que por sinal foi cantada duas vezes- a segunda, a pedidos.

Clara sabe se acompanhar bem ao violão, o que lhe dá uma autonomia no palco. Por sinal, algumas das músicas são executadas somente com voz e violão. É o caso, por exemplo, do clássico "As Rosas Não Falam", de Cartola. Clara nessa música, deu uma levada diferente ao violão, em uma interpretação bem pessoal. A troca de um trecho da letra - "Bate outra vez a esperança em meu coração" ao invés de "Bate outra vez com esperanças o meu coração" não comprometeu a poesia de Cartola, como muitas vezes acontece com a mudança de uma simples palavra. Canudinho, de Renata Arruda e Pagu, de Rita Lee, foram outros covers nacionais interpretados por ela. Dentre as internacionais, boas interpretações para Hoochie Coochie Man, de Muddy Waters (que ela transformou em Hoochie Coochie Girl), Wish You Where Here, do Pink Floyd e Sweet Home Alabama, do Lynyrd Skynyrd. Não poderiam faltar músicas dos Avyadores do Brazyl, sua grande escola: Indi/Gesta, O Amor é Cruel e 401, em um arranjo que começa com uma versão instrumental de "Baião", de Luiz Gonzaga, executada por André, Clara e Sérgio.
Foi um show intimista, onde todas as possibilidades de acompanhamento foram executadas - voz e violão; voz, violão e gaita; voz, violão e guitarra. Só faltou cantar à capela. Pelo potencial que Clara demonstrou, ela merece se apresentar em um show com banda: outra guitarra, um baixo e uma bateria, por exemplo, lhe dariam a oportunidade de mostrar sua presença de palco, pois lhe traria uma maior mobilidade, por não precisar se acompanhar em todas as músicas.
Valeu a pena conhecer essa nova cantora. Que venham outros shows.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Pérolas de Aldir Blanc


Aldir Blanc sempre foi pra mim uma referência como letrista, e depois como cronista. Aliás, muitas de suas letras já eram crônicas, que traziam pequenas histórias e personagens. Passei a prestar maior atenção no letrista a partir de sua parceria com João Bosco, que eu descobri maravilhado ainda adolescente. Depois vim saber que aquele Aldir que eu pensava estar descobrindo naquele período, eu já conhecia e nem sabia. "Amigo É Pra Essas Coisas", "Nada Sei de Eterno", "De Esquina Em Esquina", músicas que eu conhecia dos antigos festivais universitários da TV Tupi, eram letras suas, sem que eu soubesse. Depois, anos mais tarde, conheci o Aldir cronista, através de sua coluna no jornal O Pasquim, crônicas que depois foram reunidas em dois livros ("Rua dos Artistas e Arredores" e "Porta de Tinturaria"). Abaixo selecionei algumas frases curtas, verdadeiras pérolas de uma prosa poética, carregada de sensibilidade e um refinado humor:
"O amor tanto se mete a edredon que acaba virando colcha de retalhos"
"Às vezes, eu me provo tão velho quanto esses biscoitinhos que a gente serve pra visita inesperada. E ainda mais falso que o sorriso de 'que surpresa!'"
"Todo escândalo de adultério deve comportar uma trégua pro cafezinho"
"Na inauguração do novo Distrito Policial coube ao Secretário de Segurança dar o pontapé inicial"
"A casa era exatamente o que eu esperava. Um jardim, aquelas garrafinhas pra beija-flor, o maior sossego. Respirei fundo e fiquei repetindo pra mim mesmo: 'Puxa! É impossível que alguém se sinta infeliz num lugar assim'. Eu tava me sentindo muito infeliz"
" Nos jogos do amor eu sempre perco porque sou amador"
"... na varanda de uma casa em Paquetá, a moça sorri:
- Mas nós nos conhecemos tão pouco, amor!
E dentro da casa, a mãe da moça resmunga:
- Eu conheço bem esse filho-da-puta"
"... em Vila Isabel, meu avô Aguiar me explica:
- Nos fins de domingo sempre se pensa na morte. Chato é que às vezes a gente morre mesmo."
"...passa aos gritos o Carro de Bombeiros, girando a pupila vermelha na grande órbita da noite, insano como os olhos verdadeiros solitários, solidário como os verdadeiros insanos. Um homem fala sozinho:
- Em algum lugar há fogo, Zelda. Meu coração inveja."
"... penso nos teus cabelos e naquelas frases todas, não sei porque estou dizendo tudo isso. Por favor, não ria. Eu poderia escrever um livro sobre nós dois, enquanto, com o piano de Teddy Wilson, Billie Holiday me ensina que depois de tudo isso:
- I'll never be the same"

domingo, 3 de julho de 2011

Greve dos Bombeiros - Há 50 anos


Muito se falou, e ainda se fala, no movimento dos bombeiros do RJ. A manifestação ganhou as manchetes dos jornais e apoio de boa parte da população, que se mostrou solidária aos os bombeiros que foram presos, e agora anistiados, etc. Mas há 50 anos, em 1961, uma paralisação e manifestação semelhante aconteceu em São Paulo. A revista O Cruzeiro fez uma ampla reportagem sobre o assunto em fevereiro daquele ano:
"Sexta-feira, dia 13, 8:30 da manhã, uma bandeira negra foi hasteada no alto de uma escada Magirus, em frente ao Quartel-General do Corpo de Bombeiros de São Paulo. O ato marcava o início de um movimento de indisciplina (o Corpo de Bombeiros pertence à Força Pública do Estado) que chegaria a provocar uma 'marcha sobre o Palácio do Governo', na manhã do dia seguinte. Ao substituirem o tradicional pavilhão vermelho da Corporação por uma bandeira negra, os soldados do fogo deflagavam o primeiro movimento de insubordinação em toda a existência (129 anos) do Corpo de Bombeiros.
- 'Estamos passando fome, estamos em greve!'
A partir desse instante, todos os chamados para o QG eram respondidos com estas palavras: - 'Por motivos alheios à nossa vontade não estamos atendendo ao público. Queira dirigir-se ao Palácio do Governo, pelo telefone 51-2191'. A ordem era não atender a nenhum chamado, exceto quando houvesse vidas em perigo.
O principal foco do movimento - QG dos bombeiros, na praça Clóvis Bevilacqua - passou a ser o centro de todas as atenções. Os soldados do fogo (todos integrantes da Corporação) permaneciam em sua sede, e uma imensa multidão se aglomerava na praça, na expectativa dos acontecimentos. Os oficiais rebeldes esperavam, a qualquer instante, a chegada de uma tropa de choque da Força Pública, com ordem para pôr fim à situação."

A matéria, que trazia um bom material fotográfico, mostrava uma foto do General do Exército Costa e Silva, que mais tarde seria nomeado Presidente da República, todo nervosinho, pagando geral para os bombeiros insubordinados, como na foto acima, à esquerda. A matéria continua:
"O drama que se arrastara durante um dia e uma noite chegou ao seu climax, no Quartel dos Bombeiros, ao alvorecer do diam 14. Exatamente às 5 horas, os Generais Costa e Silva e Franco Ferreira, comandando cerca de 300 homens, sitiaram a Praça Clóvis Bevilacqua. Carros de assaltos, armados com canhões, tanques, metralhadoras. Os soldados do Exército tomaram posição, com suas armas apontadas para o Quartel do Corpo de Bombeiros, onde a ordem da oficialidade era para que todos mantivessem a disciplina."
Hoje, 50 anos depois, a história se repete, com outros personagens, outros tempos. Mas a verdade é que não mudou muita coisa além disso.

sábado, 2 de julho de 2011

Sonhando Louis - Luis Fernando Verissimo


Encontrei entre meus guardados uma crônica de Luis Fernando Verissimo falando de seu amor pelo jazz, e o desejo concretizado, de tocar sax. Já vi Verissimo tocando ao vivo. Nada de excepicional como músico (aliás seria demais querer comparar o músico com o cronista)mas estava fazendo uma coisa que gosta, sem fazer feio, e isso é o que importa. Abaixo sua crônica, publicada no tabloide de cultura Nicolau, de Curitiba, intitulada Sonhando Louis:
"Quem se lembra do Tesourinha? Era ponta-direita do Internacional e da seleção, chegou a jogar no Vasco, e não tem nada a ver com jazz. Mas, na infância, eu queria ser o Tesourinha, depois, na adolescência, queria ser o Louis Armstrong. O que só me levou a concluir que tinha nascido na raça errada. Nunca cheguei perto de ser o Tesourinha, mas quando fui morar nos Estadois Unidos, com 16 anos, tomei providências para ser o Louis Armstrong.
Fui procurar um curso de música em Washington D.C. para aprender piston. Eles emprestavam o instrumento. Não tinham um piston no momento. Tinham um sax alto. Servia? Serviu. O meu projeto de vida seguinte - ser o Miles Davis - já começou prejudicado. Além de a raça ser errada, o instrumento também era.
Aprendi o bastante para manejar as chaves e ler uma partitura, mas nunca cheguei a dominar o instrumento, e esqueci o que sabia. Eu só queria mesmo fingir que era jazzista, sozinho. No máximo me olhando no espelho. Mas, em 60, já de volta a Porto Alegre, fui convidado a participar de um 'conjunto melódico' que se iniciava, o Renato e seu Sexteto (que mais tarde, com nove figuras, chegou a ser o maior sexteto do mundo). Tocávamos em bailes de estudantes, e era tempo da Bossa Nova, da música italiana, do 'fox', e, às vezes, quando a harmonia era propícia, eu improvisava, e era um passável Paul Desmond. Toquei só um ano com o conjunto do Renato (que depois se tornou um dos melhores do estado, ficou famoso sem mim, e debandou na década de 70), e passei 17 anos sem pegar o sax. Até que o grupo resolveu se reunir para relembrar os velhos tempos, e descobriu que muita gente tinha a mesma saudade. Resultado: voltamos a tocar em bailes, para o mesmo público da nossa juventude. Os que ainda podem andar, claro.
E hoje, quando o fôlego permite e os dedos obedecem, ainda ensaio umas corridas pela borda do tema. É um pouco como o Tesourinha quando acabou, melancolicamente, no Grêmio, confiando na benevolência do público. Mas é a realização de um sonho, mesmo assim."

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Rick Wakeman no Brasil - 1975


Nos anos 70 não era muito comum a apresentação de grupos e astros do rock internacional no Brasil, pelo menos aqueles que viviam seu auge artístico e de popularidade. Apesar de o público brasileiro sempre ter sido um grande consumidor de música pop, vários fatores faziam com que as grandes bandas não extendessem suas excursões mundiais por aqui. Uma excessão foi Rick Wakeman, ex-tecladista do Yes, que naquele período, quando o rock progressivo estava em alta, era um dos artistas mais populares na época, e tocou no Brasil em 1975. A revista Pop fez uma matéria com fotos dos shows e bastidores:
"E a lenda do anjo sinfônico dos teclados virou ralidade. Rick Wakeman esteve no Brasil por mais de duas semanas, transando shows que foram curtidos por mais de 80 mil pessoas em São Paulo, Porto Alegre e Rio de Janeiro. A moçada foi em massa reverenciar o mago que sabe misturar o rock com a música clássica num som único e apoteótico, muito bom de curtir.
E o que se viu foi quase como um londrino acordo entre cavalheiros: se, por um lado, o público saudou seu ídolo com comoventes ovações que ecoavam dentro dos ginásios superlotados, por outro lado, Rick Wakeman entregou-se inteiro à tarefa de arrancar sons sublimes dos teclados de seus instrumentos. Ele deu tudo o que pôde, fez tudo o que sabe, chegou a extremos de consagração que nem esperava.

Na verdade, nem os organizadores da temporada (e muito menos os empresários) esperavam que a consagração do ídolo seria tão grande. Todos ficaram de boca aberta quando perceberam que a moçada conhecia a fundo o repertório de Rick - reagindo ruidosamente aos primeiros acordes de suas músicas preferidas. E os aplausos iam crescendo, até o fim dos concertos, quando eram dirigidos também ao maestro Isaac Karabitchevsky, aos músicos da sinfônica e aos competentes carinhas do English Rock Ensemble - o grupo de Rick. Em todos os shows, Rick precisou voltar ao palco para bisar uma ou duas músicas.
Rick é um carinha legal, sem pose de superstar, mas consciente de suas virtudes como instrumentista e criador de música. E é um cara aberto a todas as curtições. Logo que chegou ao Rio, soube que há toda uma transa de discos voadores e visitas de fenícios ligada à Pedra da Gávea - e imediatamente compôs uma música inspirada na pedra (que ele via da janela de sua suíte). Mais tarde jogou uma partida de futebol (com os carinhas do conjunto) contra um time de artistas brasileiros. Perdeu esportivamente por 5 a 2. Em São Paulo, durante uma recepção na casa de um dos diretores da gravadora Odeon, lá pelas tantas da madrugada, Rick e todos os do seu grupo tiraram a roupa (ficaram só de cuecas), mergulharam na piscina e começaram a puxar todos os convidados para dentro d'água - de roupa e tudo.

Mas, é claro, toda essa temporada de festas, trabalho, curtições, muita música e apoteose, teve seu preço. Para garantir todo o luxo, a pompa e a impecável perfeição técnica (tanto de som como de iluminação) dos espetáculos, havia uma equipe de 70 pessoas nos bastidores. O total da aparelhagem pesa 18 toneladas, e só a mesa de som trabalha com 285 canais. O transporte dessa aparelhagem saiu por volta de 800 mil cruzeiros. E a Rede Globo e o Projeto Aquarius, responsáveis pela excursão, investiram no total cerca de 6 milhões de cruzeiros. Rick, que levou 50% da renda bruta, deve ter faturado uns 2 milhões!"