Palavras Domesticadas

Palavras Domesticadas

sábado, 2 de julho de 2011

Sonhando Louis - Luis Fernando Verissimo


Encontrei entre meus guardados uma crônica de Luis Fernando Verissimo falando de seu amor pelo jazz, e o desejo concretizado, de tocar sax. Já vi Verissimo tocando ao vivo. Nada de excepicional como músico (aliás seria demais querer comparar o músico com o cronista)mas estava fazendo uma coisa que gosta, sem fazer feio, e isso é o que importa. Abaixo sua crônica, publicada no tabloide de cultura Nicolau, de Curitiba, intitulada Sonhando Louis:
"Quem se lembra do Tesourinha? Era ponta-direita do Internacional e da seleção, chegou a jogar no Vasco, e não tem nada a ver com jazz. Mas, na infância, eu queria ser o Tesourinha, depois, na adolescência, queria ser o Louis Armstrong. O que só me levou a concluir que tinha nascido na raça errada. Nunca cheguei perto de ser o Tesourinha, mas quando fui morar nos Estadois Unidos, com 16 anos, tomei providências para ser o Louis Armstrong.
Fui procurar um curso de música em Washington D.C. para aprender piston. Eles emprestavam o instrumento. Não tinham um piston no momento. Tinham um sax alto. Servia? Serviu. O meu projeto de vida seguinte - ser o Miles Davis - já começou prejudicado. Além de a raça ser errada, o instrumento também era.
Aprendi o bastante para manejar as chaves e ler uma partitura, mas nunca cheguei a dominar o instrumento, e esqueci o que sabia. Eu só queria mesmo fingir que era jazzista, sozinho. No máximo me olhando no espelho. Mas, em 60, já de volta a Porto Alegre, fui convidado a participar de um 'conjunto melódico' que se iniciava, o Renato e seu Sexteto (que mais tarde, com nove figuras, chegou a ser o maior sexteto do mundo). Tocávamos em bailes de estudantes, e era tempo da Bossa Nova, da música italiana, do 'fox', e, às vezes, quando a harmonia era propícia, eu improvisava, e era um passável Paul Desmond. Toquei só um ano com o conjunto do Renato (que depois se tornou um dos melhores do estado, ficou famoso sem mim, e debandou na década de 70), e passei 17 anos sem pegar o sax. Até que o grupo resolveu se reunir para relembrar os velhos tempos, e descobriu que muita gente tinha a mesma saudade. Resultado: voltamos a tocar em bailes, para o mesmo público da nossa juventude. Os que ainda podem andar, claro.
E hoje, quando o fôlego permite e os dedos obedecem, ainda ensaio umas corridas pela borda do tema. É um pouco como o Tesourinha quando acabou, melancolicamente, no Grêmio, confiando na benevolência do público. Mas é a realização de um sonho, mesmo assim."

Nenhum comentário:

Postar um comentário