Palavras Domesticadas

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terça-feira, 13 de setembro de 2011

O Juiz Roubou


Em minha adolescência fui peladeiro. Jogava meu futebolzinho em um campinho de várzea, próximo à minha casa. Quando escrevi meu romance Chicletes & Prazer, um dos aspectos autobiográficos que coloquei na obra foi essa característica: o personagem principal preenchia suas tardes em disputas diárias em um campinho de terra batida.
Ao ouvir o primeiro disco do músico mineiro Tavinho Moura, Como Vai Minha Aldeia, conheci uma música que também fala de antigas peladas, disputas acirradas pelos campinhos, que hoje estão desaparecendo das cidades. O campo onde eu jogava, por exemplo, hoje é uma revenda de automóveis. A música em questão, Dindilin, uma parceria de Tavinho com Fernando Brant, tem como subtítulo Cláudio Manoel x Contorno, que são os nomes das duas ruas que os times descritos na letra defendiam. Um achado na letra é a forma com que é usada a expressão "o juiz roubou", usada duas vezes. Primeiramente da forma literal, e na segunda como uma metáfora, já no final do texto. Ao dizer que gostaria de voltar àqueles tempos, e que a cidade mudou, as pessoas mudaram, o mundo mudou, ele lamentando diz: "o juiz roubou", como se as mudanças naturais fossem obra de um árbitro mal intencionado. Segue a letra:

Dindilin (Cláudio Manoel x Contorno)
Tavinho Moura e Fernando Brant

Na janela uma voz/gritaria no porão/já é dia, já é hora/todo mundo está lá fora/com o tênis na mão/esperando Dindilin/artilheiro e capitão/ da rua Cláudio Manoel/o café da manhã/grita a mãe no corredor/eu já estou muito longe/solidário companheiro/pois eu sou Dindilin/já não posso mais ouvir/só consigo perceber/o som de uma bola oval/nas paredes,/nos portões de metal/tudo agora é gol, é gol, é gol/no açougue e no bar/todos prestam atenção/para os cinco que desciam/no passeio da avenida/e lá vem a subir/Caldirica e Caldeirão/Zero, Caco e Cabeção/a Contorno é um timão/preparar, apostar/e marcar o Calderão/que só tem o pé esquerdo/mas é muito perigoso/e correr e chutar/e suar de escorregar/e berrar de coração/cada gol comemorar/cada erro lamentar e xingar/o juiz roubou,/roubou, roubou/nunca foi fácil não/sempre era pau a pau/para cima e para baixo/corre gente, rola bola/mas na queda de dez/gol pra lá e gol pra cá/eu me lembro de ganhar/muito mais do que perder/alegria geral/foi de um, será que foi/quem ganhou já vai cantando/foi de dois, de três, de quatro/foi de cinco ou não foi/e de seis e sete foi/e de oito e nove foi/ou será que foi de dez?/sobe a rua o vencedor/e lá vai descendo o perdedor/é dor, é dor, é dor/na janela uma voz/gostaria de ouvir/me chamando, está na hora/todo mundo espera agora/o Pescoço, o Cascão/Muquirana e Jiló,/o Boivaca e o Dodô/e Toureiro, o Freio de Mão/eu queria voltar/a jogar com o pessoal/todo mundo foi crescendo/foi virando gente séria/e a cidade cresceu/com os carros se casou/suas ruas asfaltou/as montanhas derrubou/só me resta lamentar e xingar/o juiz roubou,/roubou, roubou

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