Palavras Domesticadas

Palavras Domesticadas

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Kafka em Quadrinhos


A união da literatura e quadrinhos sempre rendeu bons frutos. É lógico que depende muito da visão do desenhista, aliado à de quem adapta o texto para que ele execute seu trabalho. Isso quando não é o próprio artista que faz sua própria adaptação ao texto literário.
Já há um bom tempo, os quadrinhos, que já foram considerados uma arte menor, passaram a ganhar status de grande arte, com o reconhecimento do valor de vários mestres do traço, como Will Eisner, Moebius, Guido Crepax, Frank Miller, Robert Crumb e tantos outros, cada qual em sua escola e seu tempo.
Adaptar obras literárias para os quadrinhos é uma prática que seduz muitos quadrinhistas, pelo desafio e prazer que é colocar no papel através de ilustrações e adaptações, textos já conhecidos e celebrados. Aqui mesmo nesse espaço já falei de uma antiga revista que lançou uma edição especial só com adaptações em quadrinhos para textos de Edgar Allan Poe. O resultado ficou muito bom. Por se tratar de uma publicação voltada ao gênero terror, os textos de Poe oferecem uma excelente fonte de adaptação para o gênero HQ.
No caso da revista a ser comentada, o resultado também foi dos mais interessantes. Em 1987, a Press Editorial, uma editora voltada aos quadrinhos, que lançava revistas voltadas para o humor, lançou uma edição mais luxuosa, com capa plastificada e papel de melhor qualidade, tipo cartão, com adaptações de textos de Franz Kafka. O responsável pela arte é um quadrinhista e ilustrador argentino chamado Léo Durañona.
Os textos adaptados são alguns contos escritos pelo escritor tcheco: E Execução, A Mensagem Imperial, Diante da Lei, Médico do Campo, O Pesadelo da Senhora Aghata e A Célula. Todas as histórias são adaptações livres, com exceção de O Pesadelo da Senhora Agatha, escrita por Guilhermo Saccomano.

Um pequeno e resumido texto de contracapa define bem a obra: “Kafka Em Quadrinhos Por Léo Durañona une dois grandes mestres. O primeiro, da literatura, o segundo, das artes gráficas. E o resultado é dos mais belos e profundos jamais antes obtidos nos quadrinhos. Temos aqui uma obra do gênero, que merece destaque em qualquer quadrinhoteca.”
Em uma pequena biografia ao final da revista, o ilustrador argentino, cujo trabalho eu não conhecia até então, é assim apresentado: “(...) Estudou desenho e pintura na Academia Superior de Belas Artes, e estética e desenho na Universidade Nacional de Buenos Aires. Já viajou pelo México, Estados Unidos e Europa. Ele começou a fazer quadrinhos nas revistas Hora Cero e Frontera, de 1958 a 1961. No ano seguinte e durante cinco anos, trabalhou como free-lancer para várias editoras argentinas como ilustrador para as revistas Para Ti, Billiken, Maribel e Semana Ilustrada. Depois trabalhou em televisão e publicidade até 1974, quando foi para os Estados Unidos. E até 1980 trabalhou para a Warren, fazendo histórias em quadrinhos para as revistas Vampirella, Creepy e Eerie; e também para a revista Heavy Metal e para a Marvel Comic Group. Ilustrações para o New York Times e Village Voice.”

Os textos de Kafka são bastante densos e carregados de metáforas. Sendo assim exigem um traço preciso, que passe ao leitor toda a carga emocional que o texto carrega, e isso Durañona soube fazer com maestria. Carregados em detalhes, em preto e branco, usando bastante a técnica do sombreamento com precisão, os desenhos envolvem o leitor naquele clima noir das obras de Kafka, bem exemplificadas em seus títulos mais conhecidos: Metamorfose e O Processo. Aliás, no texto biográfico do artista argentino, a revista revela que na ocasião (1987) ele estava desenvolvendo um trabalho baseado em Metamorfose. Não sei como ficou essa adaptação, se ela realmente aconteceu, se foi publicada ou lançada por aqui. Acredito que não. De qualquer forma, Kafka em Quadrinhos dá uma boa mostra do trabalho de Durañona baseado nesse grande mestre da literatura mundial, provando que quadrinhos é cultura, e das boas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário