Palavras Domesticadas

Palavras Domesticadas

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Peréio, Eu Te Odeio


Além de um grande ator, Paulo Cesar Peréio é uma figura das mais interesantes do mundo artístico brasileiro. Sempre transitando na contra-mão, um marginal por excelência, Peréio carrega a fama de difícil, maldito, porralouca, etc.
Em 1981 o filme Eu Te Amo, de Arnaldo Jabor, que ele contracenou ao lado de Sonia Braga, lhe deu grande projeção, e na época a revista Careta fez uma longa entrevista com ele, intitulada "Peréio, Nem Feminista Nem Viadista", onde ele falou de variados assuntos, como cinema, política, etc. Para a matéria ele posou para fotos com o vestido usado por Sonia Braga no filme (ou um similar), e na chamada de capa vinha estampada a frase "Peréio Eu Te Odeio", fazendo um contraponto com o título do filme. Essa frase, aliás, vai virar título de um documentário sobre ele, que a produtora do desenhista gaúcho Alan Sieber está finalizando. Ao ser procurado, Peréio disse que só autorizaria a feitura da obra, se só se falasse mal dele o tempo todo, daí o título.

Na matéria para a revista, publicada em junho de 1981, Arnaldo Jabor dá o seguinte depoimento sobre Peréio:
"Como não tenho forças para chegar até a máquina de escrever declaro pelo telefone que Peréio é uma mistura de urso de pelúcia com Judas de Sábado de Aleluia. Durante as filmagens, eu não sabia se o acariciava ou o enchia de porrada cruelmente. Na dúvida, fazia as duas coisas - que não davam em nada, do mesmo jeito. Ele só faz o que quer, geralmente bem, quando você menos espera. Peréio é incontestável na sua aparente liberdade: possui contudo uma mãe fina e ardilosa que o mantém preso a uma corrente de paetês e cristaleiras sulinas e o controla, lá do Rio Grande, entre sibilos e suaves ordens telepáticas. Seu pai, lindo como Tyrone Power, joga pôquer num retrato em branco e preto por toda a eternidade.

Peréio me dá sempre a sensação de que vai ficar louco; esta é a sua grande maldição: nunca terá esta chance. Vagará pelas noites do Brasil arrastando sua depressão didática, sua figura educativa. É um contrafóbico, ou seja, só faz o que tem medo.
Peréio é o retrato de uma época. Ele é a realidade brasileira. Às vezes, é a clase média, rosnando suas dúvidas e desmazelos. Em noites em que o uísque é mais cintilante contra as estrelas do Leblon, avulta fino e limpo como um diplomata. Então ele é a burguesia nacional. Nestas horas, circula à sua volta - dentes brancos, olhos neon, patins niquelados, roller-skate a mil por hora - Cissa(*), mulher foguete, espicaçando um touro preguiçoso. O mais das vezes, contudo, ele é proletariado - esculhambado, emblema do subdesenvolvido. Em suma, Peréio é as classes sociais brasileiras. Um retrato do Brasil - desnecessário, esperançoso e deprimido. E o único ator que se parece com o noticiário dos jornais.
Naturalmente, ele me inveja. E eu invejo a ele. Ambos somos dois mendigos, dois miseráveis parecidíssimos andando por aí. Só que ele é a fome. E eu a vontade de comer."
(*) Na época Peréio era casado copm a atriz Cissa Guimarães

Nenhum comentário:

Postar um comentário