Palavras Domesticadas

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segunda-feira, 19 de março de 2012

Um Show Memorável: Edu Lobo, Nana Caymmi e Boca Livre (1979)


Em novembro de 1979 eu assisti a um grande show, daqueles que não saem da memória, mesmo passados tantos anos. Edu Lobo, Nana Caymmi e um novo grupo vocal, ainda desconhecido e com um disco independente recém-lançado, Boca Livre, estavam fazendo um show pelo Brasil, e vieram a Campos, em uma noite memorável de boa música.
Quem os trouxe a Campos foi uma nova produtora, chamada Abertura, cuja primeira realização foi justamente esse show. Para minha sorte, um amigo meu trabalhava nessa produtora, e com ele consegui um ingresso de cortesia.
Lembro que naquela noite de sexta-feira, o ginásio do Automóvel Clube estava lotado, e havia grande expectativa para o show reunindo um dos maiores compositores desse país, uma cantora refinada e um novo grupo vocal que prometia. Lembro também que antes do show iniciar o som ambiente, dentre outras músicas, tocava Força Estranha, na gravação ao vivo de Gal Costa. Houve uma promoção da produtora, que sorteou um aparelho de tv portátil para o público, e quem ganhou foi um velhinho.
O show foi perfeito, embora eu tenha achado que Edu Lobo tenha deixado de cantar suas músicas mais lentas e introspectivas, preferindo as mais animadas e de maior sucesso. Dois dias depois, o jornal Folha da Manhã trazia uma resenha do show, assinada pelo jornalista Péris Ribeiro:
"Edu Lobo, Nana Caymmi (e o conjunto Boca Livre) fazem, sem dúvida, um show que pode ser apontado como de alta qualidade. Em termos de Campos - não há como negar - o que de melhor existiu no ano de 79.
O entrosamento dos dois no palco chega a surpreender, inclusive. E é uma pena que a personalidade de Nana e o jeito rebentador de Edu se juntem em apenas três músicas: Pra Dizer Adeus, Marta Saré e Suíte dos Pescadores.

Irretocável em todas as músicas, Nana consegue ser realmente uma sensação à parte. Quando canta Cais, Beijo Partido, Medo de Amar, Contrato de Separação, Saveiros e Pra Dizer Adeus só se sente uma coisa em volta: o seu magnetismo agindo sobre a plateia, fascinada por sua voz grave, mas incrivelmente melodiosa e que faz, ainda, um gênero diferente de pé-de-ouvido.
Já Edu inicia de maneira um tanto insegura a sua participação. Talvez por dividir com uma Nana já aquecida de palco e público Pra Dizer Adeus. Quando de Cordão da Saideira e Ponteio, dois dos mais marcantes sucessos da fase primeira de sua carreira (a fase de campeoníssimo de festivais), chega a ser pouco capaz de segurar a marcação e guiar a vocalização, quase se perdendo de vez em alguns momentos. No entanto, quando parte para outras velhas conhecidas do público como Decididamente (música sua e de Vinícius de Moraes), Upa Neguinho, Viola Fora de Moda e Marta Saré (um assombro de interpretação sua, de Nana e do Boca Livre) começa a se dizer presente de maneira definitiva. E chega ao ponto máximo em Lero-Lero e o Trenzinho Caipira - onde procura homenagear com intensa sinceridade a obra de Villa-Lobos e Ferreira Gullar, da qual, fez questão de nos dizer, não passa de um mero 'coordenador de arranjos'.

Sobre o Boca Livre, cremos que basta dizer que a plateia parou por inteiro para ouvi-lo. E quando rompeu em rasgados aplausos após Toada, Ponta de Areia e a maravilhosa Desenredo, de Dori Caymmi e Paulo César Pìnheiro, foi para reconhecer realmente o aparecimento do mais promissor conjunto vocal (e também instrumental) de nossa música de uns tempos pra cá.
Aliás, em determinados momentos parecia que o Boca Livre estava ali para roubar o que seria de dirreito um show de consagração de Nana e Edu. E daqui a algum tempo já será chegada a hora e a vez de saírem Maurício Maestro, Cláudio Nucci, José Renato e Davi Tygel por aí a terem um show muito próprio e um público muito deles também, pois a rota já está traçada nesse sentido. De maneira irreversível.
O grande senão - já explicado com argumentos sólidos e merecedores de crédito - ficou por conta da grande demora quanto ao início do espetáculo. Mas não seria uma falta de luz no Ginásio Olavo Cardoso, uma porta emperrada na entrada, um errar de caminho de Edu, Nana e da turma do Boca Livre no retorno do almoço no sítio de Fernando Lima (o que motivou o atraso da repassada das 24 músicas) que empenaria a promoção da 'Abertura Promoções e Produções Ltda'.
Afinal, ela marcou da maneira mais positiva possível a sua entrada no campo difícil e cheio de meandros do 'show-business'. Com uma organização e qualidade até então não vistas por aqui. E pode perfeitamente dar seguimento e uma liderança praticamente já assumida no ramo com promoções do mesmo quilate - e por que não dizer, mais ambiciosas, pois Douglas Bianncho e Cléa Malaquias, como os que querem chegar para ficar, têm simplesmente esse tipo de pensamento em suas cabeças."
Obs: Esse foi o único evento da produtora 'Abertura'. No verão seguinte, a produtora contratou a cantora Beth Carvalho para um show na praia de Grussaí. A cantora não cumpriu o contrato e não realizou o show, dando um enorme prejuízo aos promotores. Uma briga judicial, se arrastou por anos, e só recentemente os promotores ganharam a causa.

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