Palavras Domesticadas

Palavras Domesticadas

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Chico Fala de Tom

"Tom poderia ter ido para Hollywood fazer música para cinema. Ele se prejudicou profissionalmente porque na verdade era brasileiríssimo de almeida. Ele não queria sair do Leblon. Fazia ponto naquele lugar, onde ia para encontrar os garçons, o cara que vende bilhete da loteria, os amigos e até os chatos, que de certa forma ele cultivava também. Tom era autodesmistificador o tempo todo. Ele não ficava se levando a sério e algumas pesoas se confundiam, pensavam que podiam desrespeitar o Tom. Essas pessoas não têm consciência do limite. Se ele fosse um cabotino, talvez o respeitassem mais. Ele dava um pouco de margem para isso, não queria parecer um figurão, não queria ser colocado num pedestal. Então, ele saía com aquele chapéu de palha, com aquele chinelo, e ia para a Plataforma. ele se fantasiava de uma pessoa igual às outras." "O Tom gostava mesmo era de cerveja, mas de vez em quando tomava um licor. Tomava umas bebidas esquisitas, daquelas doces. Quando tomava uísque, acho que era para cortar um pouquinho e voltar à cerveja. Tom era cervejeiro, tinha uma capacidade de beber cerveja invejável. Uma hora ele parava, mas depois ia em frente. A bebida dele era cerveja. Ele parou de beber durante um certo tempo. Depois, bebia escondido. Ele bebia, mas não mais como naquele tempo, não é? Nós passávamos horas no Antônio's. Tom, Vinícius e eu. Uma vez a gente bateu o recorde. Chegamos ao meio-dia para aquele aperitivo antes do almoço e saímos de lá às quatro da manhã. Sem sair da mesa. Só para fazer pipi. Bebia-se muito. Tom adorava o telefone. Quando morei em Roma, ele foi fazer a trilha de um filme em Londres. Morou lá uns três meses. Era telefonema de uma em uma hora. Pelo menos. Pensa que era coisa séria? Não. Eram trocadilhos, piadas. Às vezes ele desligava e ligava de novo, só para terminar o trocadilho que tinha ficado pela metade. Ou para desenvolver a piada que eu tinha passado pra ele."
"Ele ficava satisfeito, por exemplo, ao escrever as suas partituras´para um songbook. Ia enrolando a vida inteira. Mexe daqui, mexe dali, era a mesma coisa com o processo da letra. Se não tivesse que gravar, porque uma hora tinha o deadline, ele levava a vida toda. E ia repetindo e não repetia nunca igual. As músicas ficavam prontas porque tinham que ser registradas, gravadas. Mas se deixasse passar mais uma semana, a música seria outra." "Conheci o Tom pessoalmente em 65 ou 66. Eu já tinha gravado um compacto com a música Pedro Pedreiro. Me lembro de ter ido lá e ter tocado pra ele Pedro Pedreiro, claro, emocionadíssimo. O Tom tinha essa coisa de deixar você logo à vontade e de quebrar qualquer mitologia, porque ele era autodesmistificador o tempo todo. Eu tinha 22 anos. Voltei a encontrar o Tom, conhecê-lo melhor e nós frequentávamos assiduamente a partir dessa volta dele, em 67, 68, quando nós, acho que foi em 67, fizemos a primeira parceria, Retrato em Branco e Preto. Foi um pouco o Vinícius que promoveu essa aproximação. Eu já estava um pouquinho menos tímido." "Ele gostava da parceria para depois ter um motivo para comemorar e tomar um chope junto. Aquela coisa que ele falava do piano do Radamés Gnattali: 'Vamos acabar logo com essa meleca para tomar o nosso chope'. Todas as músicas que compus, eu levava a letra e ele começava a brincar, fazia trocadilhos e às vezes atrapalhava. Não sei se foi por isso que eu deixei de fazer Wave. Ele tomava conta da música e eu não tinha mais espaço. Mas deixei algumas parcerias pelo caminho. Não foram todas as músicas do Tom que eu fiz letra. Até por achar que ele poderia fazer melhor. Tinha uma outra que foi o Bate Boca. Essa ficou até hoje na fita que está comigo. Ele cantava e já dizia praticamente a letra toda." "Quando conheci o Tom, ele já era para mim uma figura mitológica. Eu já conhecia as músicas dele, desde antes da Bossa Nova. Me lembro de ter dado de presente um disco no aniversário de Miúcha. Era Teresa da Praia. Eu não sabia que era do Tom Jobim. Conhecia músicas do Dick Farney, Lúcio Alves. A primeira música da Bossa Nova, é claro, foi Chega de Saudade, ainda em 78 rotações. Pedi dinheiro ao meu pai para comprar esse disco, porque a letra era do Vinícius, que era amigo lá de casa. E o Tom Jobim era, para mim, o parceiro do Vinícius nessa música. A parir da Bossa Nova, vem aquela história comum à minha geração toda. A paixão pelo João Gilberto e pelo Tom."

Nenhum comentário:

Postar um comentário