Palavras Domesticadas

Palavras Domesticadas

terça-feira, 31 de julho de 2012

Raul, O Músico: Queria Ser Americano

A música Rock'n Raul, de Caetano Veloso causou polêmica. Muita gente achou que Caetano estava criticando a postura rocker e americanizada de Raul no verso "Uma vontade fela da puta de ser americano". A música, além disso, e por causa de outro verso, acabou acirrando um bate-boca pela imprensa entre Caetano e Lobão, que continua até hoje, apesar de momentos de trégua. A respeito de Rock'n Raul, Caetano comentou no volume 8 da coleção Caetano 70 Anos, que sai semanalmente nas bancas de revistas:
"Uma vez, um cara na Bahia, um rapaz jovem, me chamou e quase me agrediu fisicamente. Ele me puxou, meio agressivo: 'Pô, por que você foi falar de Raul? Quem é você pra esculhambar com Raul na letra da música?' Eu respondi: 'Mas eu nunca esculhambei com Raul, eu adoro Raul!' E ele ficou lá, brigando pra burro por causa dessa música'.
Agora saiu algo no Jornal do Brasil - que não existe mais no mundo real, só no virtual. Mas alguém escreveu defendendo o Raul contra a suposta 'condenação cultural' dele, feita por mim nessa canção, quando na verdade é uma ode à grande figura histórica do rock no Brasil! O problema é porque eu falo da 'vontade feladaputa de ser americano', como se isso fosse irreal ou pejorativo, ou se eu estivesse acusando Raul de algo ruim. É 100% real e bem na linguagem dele..."
 Para confirmar as palavras de Caetano, transcrevo alguns trechos de uma matéria sobre Raul Seixas, publicada no Jornal de Música nº 26, de novembro de 1976, em que o músico e jornalista Gabriel O'Meara fala de Raul como músico, e traz como título justamente "Raul, O Músico: Queria Ser Americano":
"O estilo de guitarra de Raul é extraído de um antigo mestre do rock'n roll, Scotty Moore. Scotty foi o guitarrista de Elvis Presley em suas primeiras gravações. Raul não domina o instrumento a ponto de poder tocar os solos agressivos de Scotty, que são tão imitados por gente como Jerry Garcia e Jimmy Page. Mas aquele ritmo shang-a-lang tão típico dos discos antigos de Elvis está sempre presente nas gravações de Raul(...)
Raul tem obsessão em ser americano, e uma certa frustração por não ser, então ele tenta se aproximar o mais possível das coisas americanas. Sua mulher atual e sua ex-esposa são americanas, sua coleção de discos é 99% americana."
À respeito de uma suposta rixa entre os dois baianos, Caetano, na mesma entrevista , esclarece que ela nunca houve. É bem verdade, que na época em que os dois se iniciavam na música em Salvador, viviam em lados opostos: Caetano, Gil, Tom Zé, Gal, Bethânia e outros músicos eram influenciados pela Bossa Nova, e não se misturavam com o pessoal do rock, do qual Raul fazia parte. Enquanto os futuros tropicalistas consideravam os roqueiros um tanto alienados e músicos medíocres, a galera do rock tachava o outro grupo de chatos e metidos a intelectuais. Mas anos mais tarde o próprio Raul teceu elogios ao caráter anárquico do Tropicalismo, que também exerceu influência em seu trabalho, basta ouvir o disco coletivo "Sociedade da Grã-Ordem Kavernista Apresenta Sessão das Dez". Sobre sua relação com Raul, Caetano fala:
"Depois do Tropicalismo, quando eu voltei de Londres, ele era produtor e tinha feito aquele disco coletivo. Ele me chamou na casa dele, era casado com uma americana. Eu fui lá numa boa, almoçamos e tal. Ele gostava muito de mim porque a gente tinha muita identificação, afinal a gente era careta. Nem ele, nem eu tomávamos drogas, nem bebíamos, nem fumávamos, nem fazíamos nada. A gente fumava cigarro careta, mas ninguém tomava droga nenhuma. E também porque a gente tinha 48 quilos, éramos os dois muito magros. Raul era muito amigo, muito amigável, sempre. Depois foi pirando, mas continuou meu amigo."

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Eu, Zé Rodrix (1977)

Zé Rodrix (1947-2009) foi um dos músicos mais talentosos que este país já teve. Dono de um enorme talento e musicalidade, como instrumentista e compositor, Zé Rodrix passou por vários estilos musicais, e fez parte da vários grupos marcantes na história de MPB e do rock (Momento Quatro, Som Imaginário, Sá, Rodrix & Guarabira, Joelho de Porco). O primeiro contato que tive com sua obra foi na época do trio Sá, Rodrix e Guarabira. Lembro que Mestre Jonas, do trio, era uma de minhas músicas preferidas na minha adolescência. Logo depois, quando ele deixou o trio para seguir carreira-solo, me apaixonei pela música Cadilac 52, que ouvi pela primeira vez em um programa de tv, onde vários artistas da gravadora Odeon, da qual ele era contratado, cantavam uma música. Aquela música, que ouvi depois no rádio uma vez não saía da minha cabeça. Queria de qualquer jeito ter aquele disco, e numa viagem que meu pai fez ao Rio, pedi para ele trazer pra mim, e ali descobri outras pérolas de seu repertório. I Acto, seu primeiro disco-solo foi um dos primeiros discos que tive na vida. Em janeiro de 1977 a revista Música trazia uma matéria de capa com Zé Rodrix, onde ele fala de sua vida e sua carreira. Abaixo alguns trechos da matéria, intitulada, "Eu, Zé Rodrix":
"A Semana Santa e o Teatro Opinião, no Rio, servem de palco para um show de Milton Nascimento e um novo conjunto, o Som Imaginário. Wagner Tiso, Laudir de Oliveira, Luís Chaves, Robertinho Silva, Tavito e Zé Rodrix, em uma única apresentação, capitalizando elogiáveis opiniões e quebram conflitantes tabus. 'Somos o primeiro conjunto a cantar de peito nu'. As consequências, contudo, não se restringem a posicionamentos estéticos ou meras formulações musicais. O trabalho adquire uma inesperada seriedade. 'Era um conjunto funkoso, com um pique fantástico. A gente tinha um swing que não tava no gibi e que ninguém tinha na época', inquebrantável mesmo com a saída do percussionista Laudir e a inclusão de Naná, o novo contratrado. 'Mas, o Naná também saiu. Aí entrou o Fredera. Outra guitarra. E ficou um conjunto rockão mesmo. Duas guitarras, órgão, piano, bateria e contrabaixo. 'Naturalmente um disco é gravado, um disco fantástico. Muito dançante e balançante.'
Numa situação melancólica e resistente até há alguns anos, a qualidade e o trabalho, quase sempre, não dispensam possíveis crises polêmicas. E o Som Imaginário, neste campo, não marcou pela singularidade. Um repertório próprio alienado e interesses comerciais e apresentações longas, elaboradas para um 'público que ainda não estava acostumado' aceleram um previsível final.
Em 1971, acontece o que 'se convencionou chamar de rock-rural'. Na realidade, a união de três amigos, músicos e capazes de perceber que, isoladamente, pouco conseguiriam em termos de público. 'Passado, Presente e Futuro", nesse mesmo ano, comprovou facilmente a arriscada tentativa. 'Terra', o segundo disco, reafirmou, tranquilamente, a proposição. 'Na verdade, nós havíamos feito um trato. A gente trabalharia até o momento em que um de nós achasse que poderia voar sozinho. E numa boa.'
Em 1974, na carreira como solista o primeiro disco, 'I Acto' é aceito sem restrições. Exatamente o contrário acontece com o segundo, 'Quem Sabe Sabe, Quem Não Sabe Não Precisa Saber'. Um disco pesado, com banda, metais e, no mínimo envolto na esperança de um trabalho perfeito. 'Quando pus o disco na vitrola, achei um horror. Péssimo. Tinha alguma coisa errada e eu não sabia o que era. A solução foi parar e esquecer. Eu nem tenho o disco.'
Nos trabalhos anteriores, contudo, os resultados e emoções são bem diferentes. Uma excursão a Brasília e as casas à beira da estrada trazem inevitáveis lembranças da infância. 'Eu fui andando no ônibus, oilhando as casas e fiz a letra de uma música chamada Casa no Campo. A música foi feita pelo Tavito. O Gutemberg Guarabira dirigia um setor de festivais. E estava programado o de Juiz de Fora. Nós éramos vizinhos. Eu, ele e Luiz Carlos Sá. Ele me convenceu a colocar Casa no Campo. Cheguei lá e ganhei. Um dos prêmios era a apresentação no FIC (Festival Internacional da Canção). A Elis ouviu e gravou. E até hoje todo mundo canta. Ontem, no Corínthians, num showzão de rock pauleira, eu cantei. E todo mundo delirou. Acho que, no fundo, é o que todo mundo quer.'"

domingo, 22 de julho de 2012

Setentarismo - Uma Bela Estreia

Na última sexta-feira, dia 20, no evento Le Rock, acontecido no espaço Folha Seca, aconteceu a estreia em palcos da banda Setentarismo. É sempre bom ver surgir novas bandas para aquecer a cena do rock na cidade, principalmente quando há alguma proposta de renovação no sentido de apresentar uma vertente pouco explorada. A Setentarismo, cujo nome já é bem interessante, se propõe justamente a trazer um repertório não explorado por bandas locais, e sem se preocupar em trazer músicas já conhecidas e interpretadas por outras bandas. O caráter lado B da banda é que traz esse diferencial.
Formada por Pedro Henrique Meireles (violão e vocal), Ricardo Kadico (violão), Júlia Sciamarella (baixo) e Bernardo Arenari (bateria), a Setentarismo fez sua estreia com competência, demonstrando que tem condições de conquistar seu espaço na cena do rock em Campos, e realizar muitos outros shows. Seu caráter intimista - eles tocam sentados - explorando um formato quase acústico, mas sem cair nas armadilhas de uma possível falta de empolgação que esse tipo de proposta pode exercer sobre o público, a Setentarismo trouxe um repertório formado em sua maioria por músicas de bandas dos anos 80, como The Smiths (Hey Soon is Now), The Cure (In The Between Days), Echo & The Bunnymen (The Killing Moon), Talking Heads (Psycho Killer) e Pixies (Here Comes Your Man e Hey!). A cena dos anos 80, apesar de ter representado uma mudança na forma de se fazer rock, apresentando propostas renovadoras - a conhecida cena de Manchester exemplifica bem essa renovação - é muito pouco explorada pelas bandas atuais, e a Setentarismo vem preencher essa lacuna. Mas a banda também traz em seu repertório bandas de outras épocas, como Pink Floyd (a psicodélica Lucifer Sam, do disco de estreia da banda, The Piper at the Gates of Dawn ), Dick Dale (Misirilou), Smashing Pumpkins (Cherub Rock), Queens Of The Stone Age (You Make It Wit Chu) e Violent Fammes (Blister In The Sun).
A banda subiu ao palco por volta de meia-noite. Pedro Henrique exercia pela primeira vez a função de vocalista, e não fez feio. Nem sempre é tranquila a função de assumir os vocais de uma banda pela primeira vez, mas Pedro se saiu bem. Júlia, o único elemento da banda que eu nunca havia visto tocar, também mostrou boa desenvoltura no baixo. Kadiko, assumiu o outro violão com segurança, e Bernardo na bateria simplificada e percussão, como mandava o caráter intimista.
A proximidade com o público ajudava a passar para a banda a empolgação necessária para que o show de estreia obtivesse uma boa resposta, e assim as músicas, mesmo as menos conhecidas, iam aos poucos empolgando e deixando a banda mais à vontade no palco. The Killing Moon, do Echo & The Bunnymen, por exemplo, foi um dos grandes momentos do show, assim como as duas do Pixies, uma das grandes bandas alternativas dos anos 80 e 90, e a do Smashing Pumpkins, numa levada pessoal. Ouvir Smiths também foi uma boa experiência para quem, como eu, admira as bandas inglesas dos anos 80. A música que mais me empolgou, e que comentei com a banda após o show foi Psycho Killer, uma das melhores músicas de uma de minhas bandas favoritas daquele período, o Talking Heads. Não pude vê-los executar essa música, pois estava na longa fila da cerveja, mas foi interessante ver várias pessoas próximas cantando o refrão da música. A presença de músicas de bandas atuais no repertório, como Violent Fammes e Queens Of The Stone Age, mostra que a banda não se prende a um caráter nostálgico. Foi uma bela estreia, e espero poder assitir a mais shows da Setentarismo, que mostrou que ainda tem muito a oferecer.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Os Titãs resgatando a carreira do humorista Ronald Golias

Uma de minhas músicas preferidas dos Titãs é Televisão. Acho que desde as primeiras audições essa música logo caiu no meu gosto. Os Titãs era a minha banda preferida dentre aquelas tantas que surgiram nos anos 80. Mas não foi uma paixão à primeira vista. Eu passei a ser fã mesmo a partir do seu terceiro disco, Cabeça Dissonauro, de 1986. Televisão, dá título ao segundo disco, quando o som da banda ainda estava se definindo entre a new wave e o rock. Apesar de gostar bastante da música Televisão, eu não me ligava muto nos Titãs. Mas o interessante é que a música quase nem chegou a ser lançada. Lulu Santos, que estava produzindo o disco em que a música é incluída, não queria que a música fosse lançada. É curioso que Lulu, um hit maker nato, um dos maiores do Brasil, não previu o sucesso que a música faria, pois achava que a letra traria problemas. O livro "A Vida Até Parece Uma Festa", de Hérica Marmo e Luiz André Alzer, que conta a trajetória da banda revela:
"Lulu encrencou com a música 'Televisão'. Dizia-se atingido pela composição de Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer e Tony Belotto, cujos versos não podiam ser mais diretos: 'É que a televisão me deixou burro, muito burro demais/E agora eu vivo dentro dessa jaula junto dos animais'. Lulu alegava que também dependia da TV e que a música poderia abortar o sucesso do LP na mídia. Mas os Titãs estavam decididos a não abrir mão da faixa. O mal-estar poderia ter se encerrado ali, não tivesse a banda o péssimo hábito de ir para a sala de gravação para reuniões informais. Nesse dia, bateram pé que não iriam sacrificar a música, justamente a que batizava o LP. E começaram a detonar Lulu Santos: o cara não tinha o menor humor, não estava entendendo patavinas, só podia estar defendendo a mulher, Scarlet Moon, figurinha fácil na televisão e que estava prestes a estrear à frente do programa feminino De mulher para mulher, na TV Manchete.
Esqueceram-se apenas de um detalhe: assim como a sala era à prova de som, ela também era toda microfonada. Do outro lado do vidro, na técnica, Lulu ouvia tudo com clareza, mas fingia fazer outras coisas, só para ver até onde iriam as farpas. E foram longe. Os Titãs reclamavam, indignados. Terminada a avalanche de críticas, o produtor entrou na sala. Mantendo a elegância, fez um rápido e irritado discurso, e saiu do estúdio. Pálido, o técnico de som, que também tinha ouvido os desaforos, veio atrás explicar o que acontecera."
"O grande sucesso do segundo disco dos Titãs, porém, foi mesmo a até então preocupante 'Televisão'. A canção ressucitou o humorista Ronaldo Golias (1929-2005), citado na música por seu cérebre bordão ('Ô Cride, fala pra mãe'). Golias, que andava esquecido pela mídia, foi contactado pela WEA pouco antes da gravação e autorizou o uso da frase, embora não conhecesse direito aquela numerosa banda paulista. Não imaginava que a homenagem lhe traria bons fluidos e, o melhor, lucros. Graças ao sucesso de 'Televisão', Golias recebeu propostas para voltar à TV e viu sua agenda de shows, quase vazia, ficar novamente lotada.
Arnaldo, que já havia recebido um recado de agrdecimento via gravadora logo depois que a música estourou, só foi de fato constatar a boa ação que tinha praticado no início dos anos 90. Ele jantava no restaurante Parreirinha, no Centro de São Paulo, e ficou frente a frente com o humorista pela primeira vez. Golias confessou que poucas vezes tinha sido tão grato a alguém: - Os Titãs me resgataram. Você não imagina como essa música foi importante para mim. Depois dela, um monte de coisas legais começaram a aconteer. Muito obrigado, de coração."

sábado, 14 de julho de 2012

Nossa Carolina em Londres Setenta ( Caetano Veloso)

Entre 1981 e 1982 a Editora Abril publicou uma série de livretos dedicados à análise literária, chamada Literatura Comentada, que destacava um escritor, poeta, cronista, letrista de música, etc. Os volumes, que eram vendidos em bancas, traziam uma seleção de textos, notas, biografia, comentários e até exercícios sobre os autores em destaque. Um desses volumes foi dedicado a Caetano Veloso, onde foi destacada não só sua obra musical (letras), como também seus textos em prosa. Um desses textos, chamado "Nossa Carolina em Londres Setenta" eu já conhecia do livro "Alegria, Alegria", publicado em 1977, e organizado por Waly Salomão, aliás, a primeira vez que ouvi falar no nome de Waly foi através desse livro. O texto, compilado no livro havia sido publicado pela primeira vez, talvez no jornal O Pasquim (a edição de Literatura Comentada, que reproduziu o texto, não cita a origem do texto). Segue abaixo o texto Nossa Carolina em Londres Setenta:
"Nelson Rodrigues disse que o povo brasileiro e a janela e o povo brasileiro na janela etc. etc. E Nelson Rodrigues é um poeta laureado, condecorado. Entretanto as janelas, mesmo no Brasil, têm servido para fins menos líricos do que aquelas aos quais ele se refere. Atenção para as janelas no alto. As feras do Saldanha*. A avenida Presidente Vargas. O bicho brasileiro na janela. Eu gostaria de contar ao Chico Buarque de Hollanda a história da Carolina, de dizer como a história da Carolina é parecida com a história da Gatinha Manhosa. Eu um dia pensei que a música brasileira estava num beco sem saída. Então eu saí da música brasileira e caí na vida, como acontece frequentemente com mocinhas sergipanas que vêm morar em Salvador. E aí eu me apaixonei pela gatinha manhosa e, algum tempo depois, com o meu coração volúvel do signo de Leão, pela Carolina. Eu gostaria de contar, mas não tenho talento para narrar coisas tim-tim por tim-tim. Oh God, please, don't let me misunderstood. Devagar. Na letra de um de seus sambas Chico Buarque contrapõe a lua e a televisão, a rua e a sala. Digamos que eu, vivendo na miséria cultural brasileira, estou nessa sala, vendo televisão. A minha irmã Carolina está na janela vendo a rua e o meu amigo Chico está na rua, vendo a lua. A minha namorada está no vídeo, eu estou na sala, meu sogro Chico está na rua. Eu estou no vídeo,a minha namorada Carolina está no vídeo e o meu inimigo Chico está no vídeo. Eu estou na rua, a minha desconhecida Carolina está na janela e o meu amigo Chico está no vídeo. Permutações simples de três termos complexos. Nelson Rodrigues está no vídeo. Impermutával. O fato é que eu já não penso que a música brasileira está num beco sem saída. Ao contrário, acho que só tem havido saídas. E nada mais. A tropicália tinha uma musa (uma senhora cujo nome eu não posso dizer) e uma antimusa (a Carolina). Talvez se eu dissesse o nome da musa alguém viesse a entender o significado da antimusa. Mas já não há saídas demais. Não é possível nenhuma tropicália. Não procure entender nada. Chega de confusão. Sabe o que é que eu acho? - eu acho que você não precisa saber da piscina, nem da margarina, nem da Carolina. Eu gosto de Jorge Ben, de Roberto Carlos, de Chico Buarque de Hollanda, de Caymmi, de "Chuvas de Verão", de "Nazarin", de diversas coisas. Don't Think twice, it's al right mo, I'm only bleeding. Podemos ser amigos, simplesmente; coisas do amor nunca mais. Eu bem avisei: vai acabar. De tudo lhe dei para aceitar. Mil versos cantei para agradar. E agora não sei como explicar. Lá fora, amor: eu vi em Kings Road, no "Picasso" eu vi a inglesa deslumbrante. Ela veio e sentou na mesma mesa que eu e na minha frente. Ela nem me viu. Usou meu fósforo e, quando vagou uma outra mesa, ela se mudou para lá. Eu fiquei pequenininho cantando Carolina bem baixinho como em brasileiro. Tenho certeza que nem as crianças que cantaram esse samba nos programas de calouros da televisão souberam tão profundamente como eu a beleza da Carolina. Eu sou brasileiro, os meus olhos costumam se encher de água, eu sou humilde e miserável, estou na janela. Como na Alfama, em Santo Amaro, Évora, Cachoeira. Eu sou amável e terno, medroso. Eu sou lírico como Vinícius de Moraes, como Erasmo Carlos. Eu sou manhoso e dengoso. Não há salvação para mim. Nelson Rodrigues é um poeta laureado. Condecorado." * As feras do Saldanha é como eram conhecidos os jogadores da Seleção Brasileira, na época que João Saldanha era o treinador

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Bob Marley no Brasil - 1980

Bob Marley esteve no Brasil uma única vez, em março de 1980. Não veio para cantar, e sim participar de uma festa de lançamento da gravadora Ariola, que passava a representar por aqui sua gravadora, Island Records. Se não propagou por aqui através de sua música, a filosofia rastafari e o ritmo do reggae, Marley pôde fazer o que mais gostava depois da música: jogar futebol. Aproveitando que um dos contratados da nova gravadora, Chico Buarque, também era um amante e praticante do esporte, além de ser proprietário de um famoso campo de peladas, foi marcada uma partida para brindar o famoso visitante, afim de deixá-lo bem à vontade em sua estada em nosso país. O fanzine Massive Reggae, especializado no ritmo jamaicano fez uma matéria relembrando a visita de Marley ao Brasil. Seguem alguns trechos:
"Bob Marley, Junior Marvin (vocalista do Inner Circle), Chris Blackwell (diretor da Island Records) e a esposa Nathalie vieram ao Brasil em um jato particular para participar da festa que inaugurou as atividades do selo alemão Ariola no país. Chegaram no Aeroporto Santos Dumont às 18h30min do dia 18 de março, terça-feira. Logo foram cercados pelos repórteres. Bob era mais conhecido na época por ser o autor de 'No Woman No Cry', música que havia vendido 500 mil cópias na versão de Gilberto Gil. Suas primeiras declarações foram sobre a música brasileira: 'O samba e o reggae são a mesma coisa, têm o mesmo sentimento das raízes africanas.'
No dia seguinte, pela manhã, eles trataram de dar algumas voltas pela Cidade Maravilhosa e fizeram questão de conhecer a favela da Rocinha, que acharam bastante parecida com os guetos da Jamaica. Depois os três partiram para as compras e percorreram as lojas de material esportivo atrás de uniformes e outros equipamentos. Os instrumentos musicais também não foram esquecidos e os três rastas levaram violões, maracas, atabaques e cuícas. Os artigos esportivos tiveram a sua estreia no campo de Chico Buarque.
O trio jamaicano chegou às 16h no km 18 da Avenida Sernambetiva - três horas atrasados - quando os funcionários da Ariola jogavam animadamente contra alguns dos contratados da gravadora no Brasil, como o anfitrião Chico Buarque, Toquinho, Alceu Valença e outros. Logo que eles chegaram os times foram rapidamente rearrumados e ficaram assim: Bob Marley, Junior Marvin, Paulo César Caju, Toquinho, Chico e Jacob Miller de um lado; e do outro Alceu Valença, Chicão (músico da banda de Jorge - ainda Ben) e mais quatro funcionários da gravadora.
Antes de começar o jogo, Bob ganhou uma camisa 10 do Santos, e sorriu, dizendo 'Pelé', para depois explicar que jogava em qualquer posição. Mas ele foi mesmo para o ataque e o placar foi de 3 a 0 para o seu time, com gols dele (documentado pela TV), de Chico e de Paulo César. Este, que jogou na copa de 70, foi o mais festejado por Bob, que lhe disse: 'Sou fã de seu futebol', ao que Paulo César respondeu, 'E eu de sua música'. Bob lembrou o campeonato mundial que marcou a ilha do reggae: 'Rivelino, Jairzinho, Pelé... O Brasil é o meu time. A Jamaica gosta de futebol por causa do Brasil'. Mas a principal razão para a vinda dos jamaicanos era a big festa da gravadora e logo que o jogo acabou eles voltaram para o hotel."

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Neil Young - A História Definitiva de Sua Carreira Musical

Os lançamentos literários sobre o rock ainda são muito restritos no Brasil, apesar de nos últimos anos esse panorama ter experimentado uma boa melhora, com alguns lançamentos interessantes. Mas a verdade é que se formos comparar com os muitos lançamentos de livros de biografias ou resenhas relativas ao mundo do rock que são lançados no exterior, e não traduzidos e lançados por aqui, veremos que ainda caminhamos muito timidamente nesse filão literário. É certo que muitos livros lançados lá fora não são merecedores de crédito, porém separando o joio do trigo, dá pra se salvar muita coisa. Muitos músicos importantes nunca tiveram uma boa biografia lançada por aqui, seja através de traduções de edições estrangeiras, ou mesmo escritas por algum jornalista ou pesquisador brasileiro. Um exemplo é Neil Young.
Porém, num passado não muito distante, em meados dos anos 90, podiam ser encontrados por aqui, livros importados de Portugal trazendo importantes biografias, principalmente da editora Assirio e Alvim. Com a moeda brasileira, o recém-criado real, bem valorizado na época, e com a vantagem de não haver necessidade de tradução (embora o português de Portugal às vezes merecer um glossário) a importação desses livros se tornou bem viável para o público consumidor da literatura sobre o rock, e em uma coleção de vários títulos, intitulada Rei Lagarto, pude adquirir a única biografia de Neil Young lançada em língua portuguesa a chegar aqui no Brasil: "Neil Young - a história definitiva de sua carreira musical", do jornalista americano Johnny Rogan. Fartamente ilustrado (todas as fotos dessa postagem foram extraídas do livro), a obra de Rogan traz um excelente trabalho de pesquisa sobre a vida e a carreira de Neil Young, desde o seu mais distante envolvimento com a música, falando de todas as bandas em que atuou, sua vitoriosa carreira-solo, além de seu envolvimento com causas sociais. Em sua introdução, o autor escreve:
"Este livro foi escrito com o propósito de mostrar o desenvolvimento de Neil Young, desde os tempos em que era apenas um garoto tímido e amante da música, até se tornar um dos artistas de rock mais respeitados do mundo. É mais uma apreciação crítica de Young como músico do que um testemunho de sua vida privada. É esta perspectiva que dá unidade ao livro e traça a história musical de três décadas turbulentas."
O livro traz vários depoimentos de amigos e parceiros, como Stephen Stills: "Neil é verdadeiramente o melhor amigo que tenho no mundo. Se queres mesmo saber o que penso do Neil, há uma canção que ele escreveu sobre mim, chamada On The Way Home , que saiu no último álbum dos Sprinfield. É isso mesmo que somos um para o outro."
David Crosby, futuro parceiro de Young no quarteto Crosby, Stills, Nash & Young, e que na época em que Young fazia parte do Buffalo Springfield, atuava na banda The Byrds também fala do companheiro: "Conheci o Neil no Whisky A GO Go , uma vez que Chris Hillman me levou para ouvi-lo. Achei que ele era mesmo bom. Podia cantar melhor, mas tocava guitarra extremamente bem. Ele e o Stills faziam um dueto de guitarras, na minha opinião, fantástico."
Não poderiam faltar, logicamente, declarações do próprio Young, como uma forma de entendê-lo como músico, artista e pessoa, como o seguinte depoimento, que o define, e nos faz conhecê-lo um pouco melhor: "Quando escrevo canções, acho que escrevo sobre uma parte de mim que ignoro. Escrevo aquilo que sinto dentro de mim e por mais pessoas que estejam à minha volta, continuo a falar de todas as coisas que se passam dentro de mim. Acho que ao falar disso me sinto melhor. Só que, no meu caso, falo sobre esse tipo de sensações mais do que qualquer pessoa que conheço, e não param de me assaltar todas essas imagens. Não sei de onde vêm, sei apenas que vêm. Tudo o que escrevo... até quando estou feliz, escrevo acerca da solidão. Não sei porque. As imagens que escrevo... realmente não sei de onde vêm. Vejo as cenas diante dos olhos e pronto. Às vezes, não consigo ver nada, mas se fico numa boa, ou apenas me sento à espera, de repente lá vêm elas de novo - como que brotam de uma fonte. Só tenho que estar com a dispoição adequada. É como ter um orgasmo mental."

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Revista Zorra - O Rock do Brasil

Em 1986 o mercado musical brasileiro era dominado pelo rock. As bandas que fizeram sucesso nos anos 80 estavam em seu auge, e muitas outras surgiam, sempre com um olhar atento das gravadoras. O BROCK, como também ficou conhecido o rock brasileiro produzido naquela década, dominava a mídia, e assim apareceram algumas publicações especializadas no gênero. Uma delas, de vida curta, apenas três edições, foi a revista Zorra, publicada pela editora Imprima, especializada em música, como aquelas revistinhas de cifras, para quem se inicia no violão, e sua principal publicação, a revista Música, que circulou durante muitos anos. O número 1 traz uma matéria de capa com os Titãs, que naquele ano deram uma guinada em sua careira, lançando Cabeça Dinossauro, um dos discos mais festejados e aclamados do BROCK. Além dessa matéria, a revista falava de grupos como Camisa de Vênus, Fellini, Capital Inicial, TNT (banda gaúcha)e Lulu Santos.
O número de 2 trazia na capa Raul Seixas, que na época vivia um momento de ostracismo, mas ainda ocupava seu lugar no cenário do rock brasileiro, por tudo que havia produzido ao longo de sua carreira. A matéria, na verdade uma entrevista, era introduzida pelo texto: "Raul Santos Seixas, baiano de Salvador, onde nasceu a 28 de junho de 1945, está de volta após mais uma relativa ausência do eterno processo que comanda os destinos da indústria do show-bizz: o binômio disco-shows. Raul Seixas, a lenda viva, o primeiro e maior roqueiro do Brasil, idolatrado por várias gerações, amado por milhares, execrado por alguns poucos, esquecido - tal qual um fóssil pertencente a um passado distante - por outros. Raulzito, sempre controvertido, polêmico, provocador(...)."
Na época, cerca de três anos antes de sua morte, a saúde de Raul já não andava bem, principalmente por sua relação com o álcool. A primeira pergunta da entrevista é justamente sobre seu estado de saúde. E ele responde: "A minha saúde sempre foi motivo de grandes fofocas, especialmente por parte da imprensa marrom. Tudo isso é uma grande bobagem. Eu nunca estive seriamwente doente. Atualmente eu continuo bebendo, mas só cerveja, porque eu parei de tomar uísque. Mas eu bebo como qualquer pessoa bebe. E eu nunca fiquei doente por isso".Até pode ser que Raul na época tenha maneirado na bebida, mas todos sabem que ele pegou pesado no álcool. É normal as pessoas quando entrevistadas atenuarem certas situações. Talvez tenha sido o caso. A revista ainda traz matérias com a banda Zero, Violeta de Outono, Obina Shock e uma entrevista com Nasi.
O terceiro número traz uma matéria de capa com Cazuza, que estava lançando seu primeiro álbum-solo, após sua saída do Barão Vermelho. O Barão também lançava seu primeiro álbum sem Cazuza, Declare Guerra. Na matéria de seis páginas, Cazuza fala sobre sua saída da banda que o projetou: "A separação foi algo necessário porque o Barão queria mais espaço e eu também. O líder era o Frejat, mas eu era a pessoa que mais aparecia. Eu fazia todas as letras, cantava. Então aconteceu. O Barão precisava de mais espaço e eu de mais liderança". A revista aind traz matérias com Ultraje a Rigor, Kid Vinil & Os Heróis do Brasil, Engenheiros do Hawai e Finis Africae.
É interessante perceber que na época, apesar de vivermos melhores tempos musicais, a situação econômica do país, ao contrário, não era das melhores. A inflação galopante pode ser percebida nos preços entampados nas capas das revistas. O nº 1 custava Cz$ 18,00, o nº 2 Cz$ 40,00 e a nº 3 Cz$ 55,00. Contrariando os nostálgicos, nem tudo eram flores.

terça-feira, 3 de julho de 2012

Toquinho Fala de Vinícius

Vinícius de Moraes foi antes de qualquer coisa um poeta, e dos bons. Seu trabalho como letrista ajudou a tornar sua obra poética conhecida, através de seu trabalho com inúmeros parceiros. Sua presença na Bossa-Nova, por exemplo, foi fundamental. Se as harmonias, melodias e acordes de Tom Jobim e a batida de violão de João Gilberto e Roberto Menescal definiram o ritmo revolucionário da BN, por outro lado, sem as letras de Vinícius e Ronaldo Bôscoli ficaria faltando alguma coisa. Dentre seus inúmeros parceiros, podemos citar Tom Jobim (Garota de Ipanema, Água de Beber, Amor em Paz, Brigas Nunca Mais, Chega de Saudade, Ela É Carioca, Eu Sei que Vou te Amar, A Felicidade), Carlos Lira(Carioca, Coisa Mais Linda, Primavera), Baden Powell (Apelo, Berimbau, Canto de Ossanha, Consolação, Deixa, Formosa, Samba da Benção, Samba em Prelúdio), Edu Lobo (Arrastão, Canto Triste, Só Me Fez Bem, Zambi), Francis Hime (Maria, Saudade de Amar, Anoiteceu, Sem Mais Adeus), Chico Buarque (Valsinha, Desalento, Gente Humilde, Olha Maria, Samba de Orly), além de parcerias esporádicas com Pixinguinha, Adoniram Barbosa, Ciro Monteiro, Jards Macalé, J.S. Bach (ele mesmo), Carlinhos Vergueiro, João Bosco, dentre outros. Mas foi com Toquinho que Vinícius formou sua parceria mais constante, com quem compôs inúmeros sambas e gravou vários discos em parceria. Sobre o ilustre parceiro Toqunho falou uma vez:
"Vinícius é um ser humano incrível, tem uma sensibilidade e uma perspicácia incríveis. É uma pessoa muito compreensiva, aceita as pessoas com seus defeitos e tem uma resistência muito grande pra se chatear.
Ao mesmo tempo, ele é uma criança, muito garoto, com todos os sentimentos de um adolescente. Morre de ciúmes da irmã, de mim, da mulher, das situações, se eu compro roupa nova...
Eu estava morando na casa dele, no Rio, e um dia saí e comprei uma porção de roupas. Voltei pra casa e estrava desembrulhando quando ele chegou: 'O que é isso?' - 'Umas roupas que comprei', respondi e comecei a mostrá-las a ele. Ele foi ficando com uma cara de inveja... chegou pra mulher e disse: 'Por que você não compra nada para mim?' Ele é assim. É o seu lado infantil, inteiramente puro.
Vinícius é uma pessoa com uma força de vida que eu desconheço outra igual. Um cara que está aí com a idade dele, com a vida nas costas que ele tem - que não são sessenta e poucos anos de uma pessoa qualquer, são sessenta e poucos anos de Vinícius de Moraes: muita noitada, muito uísque, muitas emoções, separações.
É uma pessoa por quem eu tenho uma admiração realmente grande. Admiro sua coragem e sua resistência. Ele está sempre a favor da vida de um modo total, não entrega os pontos. Fez essa turnê comigo, agora, uma turnê puxada pra ele: 50 shows em dois meses e meio, viajando. E era um show puxado - 10 Anos de Parceria - e ele foi até o fim, sem reclamar. Ficou com problemas de saúde e aguentou firme. Enfim, Vinícius é um ser humano maior."