Palavras Domesticadas

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quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Falando de Poesia Concreta

" O ano de 1949 foi fundamental para a literatura brasileira: os irmãos Haroldo e Augusto de Campos  conheceram Décio Pignatari. A empatia foi imediata. A eles também foi apresentado um dos principais articuladores da Semana de 22: 'Foi em 1949 que nos encontramos com com Oswald de Andrade - Décio e eu - levados a seu apartamento por Mário da Silva Britto. Depois disso estivemos várias vezes com ele. Numa delas nos deu de presente, a cada um, um volume do seu Poesias Reunidas O. de Andrade (tiragem limitada de 200 exemplares das Edições Gaveta). Noutra, a já então rara edição de Serafim Ponte Grande, com a dedicatória 'aos irmãos Campos, firma de poesia' , lembra Augusto.
Ainda naquele ano, o trio começou a colaborar com a Revista Brasileira de Poesia , fundada em 1947 pelos escritores Péricles Eugênio da Silva Ramos, Domingos Carvalho da Silva e João Acioli - ligados à geração de 45. A partir daquela publicação criaram o Clube de Poesia. Décio Pignatari e os Irmãos Campos tinham, respectivamente 22, 20 e 18 anos e uma cultura prodigiosa. Haroldo estreou em livro com O Auto do Possesso (1949), Décio, no ano seguinte, com O Carrossel e Augusto em 1951, com O Rei Menos o Reino.
Em função do conservadorismo do Clube, Pignatari e os irmãos Campos logo romperam com ele e lançaram, em 1952, e revista Noigandres. A palavra-título da publicação foi tirada da 20ª parte dos Cantos, de Ezra Pound,e durante algum tempo o sentido do termo foi obscuro, tanto para o poeta estadunidense, que a tomou de um texto do escritor provençal do século XII, Arnaut Daniel, quanto para os concretos. Mais tarde, Augusto de Campos conta em nota do livro Verso Reverso Controverso que o crítico alemão Hugh Kenner (1923-2003) decifrou afinal o sentido da palavra como 'antídoto do tédio'. Não poderia ser mais apropriado.
'Verbivocovisual': os concretistas tomaram este termo cunhado pelo irlandês James Joyce para incorporá-lo à sua cadência poética. Foi assim que a poesia concreta não apenas transformou a cena literária brasileira, mas também conseguiu aquilo que Oswald de Andrade ambicionara: tornou-se um 'produto de exportação', encontrando adeptos até na Alemanha do pós-guerra.
Antidiscursiva, a poesia concreta aboliu o verso e a estrofe. A disposição das letras e/ou palavras passou a explodir em liberdade no espaço em branco do papel, que se torna parte integrante de sua composição. Ela rompe com a tradição de se visualizar e ler o texto da esquerda para a direita, de cima para baixo. Assim, o poema ganha uma pluralidade de possibilidades interpretativas, não apenas no significado dos vocábulos ('verbi') mas também em seus aspectos materiais: sonoridade('voco') e arranjos gráficos ('visual'), que incluem cores, tamanho e tipo de fontes, construções visuais, de modo a fazer comungar Literatura, Música e Artes Plásticas. Trata-se de uma poesia sinestésica, ou seja, que funde várias impressões sensoriais.
A partir de 1950 - bem antes da 1ª Exposição Nacional de Arte Concreta em São Paulo e da publicação do Plano Piloto para a Poesia Concreta, em 1958 - Décio, Haroldo e Augusto já publicavam, em vários periódicos, não somente seus poemas, mas também textos teóricos sobre poesia.
Em depoimento à seção 'Autores e Livros', de abril de 1950, para a série de entrevistas feitas sob o título 'Tendências da Nova Poesia Brasileira', Pignatari já afirmava que 'todo poema autêntico é uma aventura - uma aventura planificada. Um poema não quer dizer isto nem aquilo, mas diz-se a si próprio, é idêntico em si mesmo e à disemelhança (sic) do autor, no sentido do mito conhecido dos mortais que foram amados por deusas mortais e por isso sacrificados. Em cada poema ingressa-se e é-se expulso do paraíso. Um poema é feito de palavras e silêncios. Um poema é difícil.'"
Texto extraído da revista "Discutindo Literatura nº 10

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