Palavras Domesticadas

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terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Cartola Retorna à Mangueira (1976)

Desde a criação da Estação Primeira de Mangueira, em 1929, Cartola um de seus fundadores, foi uma figura histórica e presente na agremiação. Seus sambas e sua atuação nos desfiles da escola o credenciaram a ser considerado uma das figuras mais importantes não só da Mangueira, como do próprio samba carioca. Muitos anos depois, com o crescimento da exploração turística da cidade, o carnaval do Rio de Janeiro passou a ser o centro das atenções dos órgãos oficiais, e consequentemente as escolas de samba passaram a entrar nessa engrenagem, e começaram a se descaracterizar de sua função primordial. Isso causou descontentamento nos sambistas mais autênticos como Cartola, por exemplo.
Porém, após cerca de 20 anos afastado de sua escola de coração, Cartola deixou o coração falar mais alto e resolveu voltar a participar das atividades de sua Mangueira. Isso ocorreu em 1976. Na ocasião, o Jornal de Música nº 21, de agosto daquele ano faria uma matéria sobre esse retorno. Assinda pelo jornalista e crítica Ruy Fabiano, a matéria dizia:
"(...) A sua volta, este ano, foi saudada com bastante otimismo por todos os integrantes da escola, inclusive as rivais.
- A Mangueira estava acabando. Não havia mais movimento. Uma escola, como a nossa, com o patrimônio que tem, é obrigada a faturar o ano inteiro. Nós temos que conservar a sede, que é essa enormidade que todos conhecem, e, só com a Light, cada vez que os refletores são acesos, gastamos uma fortuna. Os compositores também não se reuniam mais e nós tínhamos que dar um jeito nisso. Com a eleição do ,Bira, voltaram  à quadra, com bastante assiduidade, sambistas como Nelson Sargento, Padeirinho, Preto Rico, Carlos Cachaça e outros mais, além de compositores de outras agremiações.
Embora reconheça e aceite o fato de que as escolas de samba hoje estão comprometidas com muitas coisas estranhas que lhe garantem a sobrevivência, Cartola acha que determinados detalhes foram esquecidos e têm que ser observados. E dá a sua receita de mestre:
- Uma escola pra mim tem que ter uma vida cotidiana com seus membros, ali, toda hora. É como a nossa casa. Se você está em casa, despreocupadamente, e de repente aparece uma visita, você tem que estar preparado para recebê-la, sem passar vexame. A Mangueira, a exemplo de todas as escolas, tinha perdido esse particular. Não havia mais movimento na escola. Eu moro aqui ao lado e só percebia movimento na época do carnaval, nos preparativos dos desfiles, quando o samba fica em segundo plano. A nossa volta é para tornar a movimentar isso aqui.
Um detalhe ele faz questão de frisar: 'não vou interferir jamais nas decisões da diretoria. O presidente é o Bira.' Para ele, o importante é primeiro arrumar a casa e depois colocar em prática os diversos planos elaborados. Quanto à massificação que atingiu as escolas, ele não vê solução e, pelo contrário, considera impossível uma reestruturação das escolas nos moldes tradicionais.
Ao lado de  seu parceiro Carlos Cachaça
- Não acho que haja volta possível. Os esquemas que vigoram atualmente não serão derrubados. Por isso, criaram a Quilombos, que não é uma solução, mas se propõe a isso. É um negócio assim como o amadorismo. Ela quer apenas criar o clima da escola de samba ideal, onde as pessoas se encontram, tomam uma coisinha qualquer, cantam, tocam e se sentem à vontade. Nisso ela tem sido perfeita. Nesse particular, estou de acordo com meu amigo Paulinho da Viola: não há retorno. Essa escola não precisa desfilar. Ela é nossa, de todos, desde que a desejamos.
Cartola diz-se satisfeito com o resultado do seu primeiro LP para a gravadora Marcus Pereira, que, segundo lhe informaram, vendeu mais de 15 mil cópias, o que 'para um estreante, já é uma grande coisa'. Este segundo disco, segundo ele, promete mais, 'pois já se criou uma expectativa em torno de meu nome.' A gravação foi feita em apenas doze horas, a maior parte consumida na elaboração dos arranjos. Para acampanhá-lo, músicos que dispensam comentários: Dino e Meira (violões), Canhoto (cavaquinho) e mais quatro ritmistas. A repercussão de seu primeiro disco modificou um pouco a sua tranquila rotina de muitos anos.
- Tenho experimentado uma canseira que há muito não sentia. São shows e viagens para fora do Rio. Por outro lado, é bom me sentir de novo ativo e, enquanto eu aguentar, vou continuar dando o meu recado."

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