Palavras Domesticadas

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sexta-feira, 29 de março de 2013

Rita Lee - Entrevista Revista Música - 1977 (Parte 2)

Música - Como é a situação musicalmente?
Rita - Eu sinto uma grande má informação nos próprios grupos. A respeito de Brasil mesmo. Eles estão preocupados em copiar. É lógico que recebo influência, mexo com guitarras, com sintetizador, ouço e me influencio pelas coisas de fora. Mas isso não impede de desenvolver um trabalho aqui, principalmente em termos de letra. E os rockeiros daqui não estão preocupados com letra, uma coisa muito importante no Brasil. Em todos os movimentos de música, o forte era a letra. No Tropicalismo, na Bossa Nova. No rock é o céu, o arco-iris. Eles fazem uma cópia mal feita. Isso pode ser atribuído à falta de informação cultural e ao comodismo. Pegar o que já foi feito lá fora e achar que vai dar certo aqui. Mas o brasileiro já sabe o que quer. Essa meninada canta todas as minhas letras. Muita gente me diz 'eu me sinto a ovelha negra'.
Música - Como reagem gravadoras e empresários?
Rita - Os empresários são uns aproveitadores. Eles sabem que rock dá dinheiro. Eles veem o Peter Frampton estourando e imaginam lançar um cantor semelhante. Querem fabricar uma coisa, o que também não dá certo. Nas gravadoras, a principal fabricação é financeira. Elas querem sugar, vender rápido, querem paradas de sucesso. Não querem investir, dirigir um grupo. Querem tudo pronto. A gravadora não tem muita visão. Na minha época da Phonogram, por exemplo, eu tinha acabado de sair dos Mutantes e era o meu primeiro trabalho com o Tutti-Frutti. Eu pretendia um trabalho de não levar as pessoas a sério, mas propositadamente. Mostrar para as pessoas o porquê de não levar a sério. Mas a Phonogram me deu uma brecada. Elas não tiveram paciência de esperar e optaram pelo João Ricardo. Eu resolvi sair. Resultado: o maior desastre da Phonogram não fui eu, foi o João Ricardo.Ele é o grande exemplo da coisa fabricada.
Música - E hoje?
Rita - A Som Livre não interfere em nada. E eu já tenho muita estrada, sei realmenbte o que quero fazer. A Som Livre tem a estrutura da Globo mas, se você não tem um bom trabalho, não adianta. O público tem ouvido, sabe se o artista é aquilo mesmo. O meu público, quando vai me ver, não quer saber da mensagem filosófica. Eles sentem a minha letra, se identificam, mas querem brincar, se divertir, dançar, ouvir um solo de guitarra e ver a minha roupa.
Música - A imagem é, então, um dado fundamental?
Rita - Eu sempre me preocupei. Desde a época dos Mutantes, da minha roupa de noiva grávida. No palco tudo é exagerado, mas no sentido do público notar, de ser 'appeal'. Pela minha roupa, eu posso dizer o que quiser para as pessoas e elas me entendem. Eu gosto de divertir as pessoas, mas não é só. Depois dos Mutantes, eu comecei a desenvolver mais as letras das músicas. Aquela letra boba, aquelas brincadeiras. Resolvi continuar brincando, mas consequentemente. Através da brincadeira eu vou falando uma porção de coisas. Às vezes a crítica fala que sou meio inconsequente, que não levo nada a sério. É exatamente isso que eu quero.
Música -  Como você vê a evolução do rock no Brasil?
Rita - Quando o pessoal começou a falar em rock, já era um negócio meio nostálgico: Elvis Presley, moto, etc. A proposta, na verdade, é a abertura de tudo. É poder usar todos os estilos de música, não ter limitação de nada. Se quiser fazer um tango, eu posso fazer. Como se quiser um baião ou xaxado, também posso. Rock é tudo. O que vai ocorrer é o desenvolvimento de uma música vinda de um equipamento de som, de um equipamento eletrônico. Mas a grande preocupação é o toque brasileiro dentro do que está sendo feito lá fora. Tanto que o pessoal já está vindo, já está de olho. A gente tem que pegar isso antes deles. A percussão, principalmente. Agora, não sei até que ponto o pessoal de escola de samba deixa o bloco do rock desfilar na rua.
Rita com o recém-nascido Beto Lee
Música - E os grupos brasileiros?
Rita - Os grupos não podem copiar. Tem muita cópia, muita cópia mesmo. Mas certas pessoas fazem um negócio bom. Eu gosto muito do Guilherme Arantes. Gosto muito das Frenéticas. O Joelho de Porco pode parecer engraçado, mas é um negócio que já foi feito lá fora. Gosto também da simplicidade do Made In Brazil. O Terço é um conjunto muito bom. Mas eu escuto e confundo com o Focus, com o Genesis. Se não fosse a letra em português, eu não saberia.
Música -  Você exerce uma considerável influência na faixa de público dos 11 aos 15 anos. Qual sua posição frente a isso?
Rita -  Chegar no palco e ver sete mil pessoas para escutat você não deixa de ser uma responsabilidade. Eu procuro fazer o máximo de qualidade possível. Desde o primeiro trabalho com o Tutti-Frutti, existe um público que me acompanha. E que cresce cada vez mais. Eu quero oferecer a ele o que sou. As coisas que eu vivo, como a prisão e o nenê. A responsabildade que eu tenho é me mostrar, é a verdade que está em mim. Eu só quero que as pessoas me vejam como eu sou. Realmente, o público está de olho em mim com o negócio do nenê. Na música 'Essa Tal de Roque Enrow' eu me colocava como filha. Essa meninada quer me ver agora como mãe. E eu gosto desse clima. Gosto de mostrar isto pra ela.
Música - Se a gravadora espera um grupo já pronto e os próprios grupos não se adaptam à realidade, como romper o círculo?
Rita - Com muito estudo, paciência, ensaio e principalmente saber exatamente o que fazer. Os grupos têm que saber que as gravadoras são todas tapadas. É preciso também muita disciplina. Poucos grupos ensaiam a sério. Não existem empresários, e quando eficientes são desonestos. Os honestos são deficientes. Eu sou uma pessoa que passa o dia todo escrevendo, tocando um instrumento, me aperfeiçoando. Certas pessoas fazem uma música e acham que é um trabalho pronto. É uma ilusão as pessoas pensarem que, de repente, num passe de mágica, vão acontecer. "

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