Palavras Domesticadas

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terça-feira, 25 de junho de 2013

Gilberto Gil - Revista Ele Ela (1974) - 2ª Parte

"Há algum tempo, o nome de Gil andou muito ligado ao fenômeno da aparição de discos-voadores em nosso país. Mas ele desmente que tenha visto um, embora tenha feito muitas músicas que se referem a eles.
- Se creio nos discos? Sim, e não. Sim, quanto à sua explicação científica. Se o homem já atinge outros planetas, porque uma civilização mais adiantada não poderia manter contato pessoal conosco? Não creio é em baboseiras e relatos sensacionalistas que só servem para para tumultuar e desinformar a realidade dos fatos, desacreditando a gente perante a opinião pública. Fizeram uma onda na imprensa, mas nunca vi um disco. Estive realmente em Brasília com um pessoal muito sério e vi experiências de materealizações de corpos em campo aberto, no mato. Brasília é uma cidade muito conotada com limites de transcendência entre o material e o imaterial.
E ele, embora não pertença a nenhum culto definido, confessa tranquilamente a sua intensa religiosidade:
- É  a essência da minha natureza a fé, a crença na transcendência, no caráter da existência de uma vida superior como reflexo dessa vida terrena e vice-versa. Acredito no céu e na terra, e então tenho de ser mística, já que essa é a classificação dada às pessoas que vivem no mundo da lua, como eu.
A macrobiótica é outra face das curtições de Gil, que, praticando-a, perdeu mais de 20 quilos. Mas em nenhum momento se tornou um fanático.
- A macrobiótica se transformou numa religionete, em mais um desses códigos, dessas leis, quando devia ser exatamente a procura da liberdade. Faço macrobiótica a anos, mas não de uma maneira rígida. E sinto que ela me transformou muito, inclusive em termos metabólicos, na própria maneira de meu corpo reagir aos alimentos. Tem uma música que fiz agora que diz assim:
Quando a gente tá contente, gato é gato, gente é gente, barata pode ser um barato total. Tudo que você fizer deve fazer bem. Nada do que você comer deve fazer mal.
'A barata é uma brincadeira com Caetano, que tem medo de barata', diz ele, brincando. E continua: - 'Porque eu acho que quem está bem, está bem, e não olha uma porta e diz:
- Estou bem olhando a porta.'
Durante os tempos em que viveu em Londres, Gil começou seriamente a tocar guitarra. Sua música enriqueceu, abriu caminhos, perdeu as amarras e deu prosseguimento à grande viagem.
Na volta, o Nordeste e as cirandas. Agora ela é tudo; jazz, Nordeste, música eletrônica, influência de antigos mitos, como Luiz Gonzaga, Chico Alves, Bob Nelson, Caymmi, João Gilberto e dos mitos posteriores, como os Beatles, Miles Davis, Janis Joplin, Herbie Hancock. Deixei de ser o compositor comprometido com o processo urbano, e que vai rever o folclore apenas como estudioso.
 Ele disse isso em 72, quando voltou de Londres. E agora, Gil, você é comprometido com o que?
- Com nada. Eu sou apartidário, apolítico. E cada vez as coisas brotam de mim mais puras, descompromissadas de quaisquer interesses. Porque os interesses são escolhas políticas que o intelecto faz.
A minha música perde isso cada vez mais. E o amor passa a ser como o de mãe, irracional.
Mas o processo de transformação que Gilberto Gil, como pessoa e como artista sofreu não foi mole. E o levou a dizer coisas assim.
- Quando as coisas se transportam para o consciente, já são quase um fantasma do movimento real que provocou tudo. As mudanças de comportamento são quase sempre provenientes de momentos dolorosos que, numa pessoa que procura a saúde, o equilíbrio, não se fixam na mente. Então a gente sofre as transformações e não sabe como.
Mas o baiano não gosta de dar a impressão de que sabe de tudo. É um cara simples, esse Gil, sem afetação, acessível para as coisas, as pessoas e o mundo. O riso brilha sempre, e os olhos.
- Eu sou muito acessível, muito envolvido. Mas isso não me prejudica. Se o reflexo das minhas atitudes com as pessoas e das pessoas comigo não me fizessem bem, eu não manteria isso. Ser a facilidade de acesso a mim e de mim com relação ao mundo existe, isso é a forma da natureza manter seu fluxo."
(continua)

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