Palavras Domesticadas

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quarta-feira, 5 de junho de 2013

Sergio Dias Fala Sobre o Flower Power (Parte 1)

O guitarrista Sergio Dias, dos Mutantes, deu um depoimento à edição especial da revista Bizz "A História do Rock" vol. 2, falando sobre a cena psicodélica dos anos 60 nos Estados Unidos, quando lá esteve com sua banda nos anos 60. É um interessante testemunho de quem esteve na meca da contracultura, no apogeu do Flower Power:
"Estive em Los Angeles e São Francisco em 1968 depois de participar com os Mutantes da feira de música Miden, na França. Fomos para Nova York e depois decidimos passar pela Califórnia. Era inacreditável.Você andava nas ruas de Los Angeles - que hoje só tem automóveis e mais parece um deserto com aquelas calçadas imensas e vazias - e o clima era de uma festa constante.
Você via pessoas extremamente felizes e amigáveis, que vinham conversar com você abertamente, faziam o sinal de paz e amor. Lembro que a primeira vez que fizeram o sinal para mim foi um casal que estava num Jaguar conversível. Era muito legal, algo maravilhoso. O american dreams havia surgido logo após a Segunda Guerra Mundial. Para a juventude, ele também se manifestou com a surf music, no começo dos anos 60. Mas nada se compara ao que a Califórnia representava no imaginário jovem no final daquela década.
Depois de Los Angeles, fui para São Francisco, onde no Fillmore Auditorium, estava tocando o Ten Years After. Grande coincidência. Parecia até que eu estava seguindo a turnê da banda, porque já os tinha visto em Londres e Nova York. Lembro de estar sentado num parque da cidade, quando um cara se aproximou e perguntou se eu queria um joint. Eu nem sabia o que era aquilo na época! Agradeci a oferta, mas disse que não queria. No cruzamento das ruas Haight e Ashbury tinha toda aquela tribo dos Hell's Angels. Lá a barra era mais pesada. Também havia tensão no flower power. Apesar de falar pouco inglês na época, entendia o suficiente para sentir uma animosidade no ar. Não existe a positividade completa, o paraíso perfeito. Tem de haver um inferninho, senão fica chato. Mas no geral, 90% do tempo era um grande barato. O sentimento entre os jovens era mais o de criar outro mundo, com outras regras - o flower power já era este outro mundo. Era o nosso mundo.
Acid Test - ônibus que oferecia experiência com LSD


 Eu tinha 17 anos quando estive lá. O que é o mundo para um garoto nessa idade? Até os 15 anos, seu universo se resume praticamente a sua família. Então, tudo aquilo era o meu mundo. E não era uma possiblidade futura, era completamente concreto e real. Havia o lado sombrio do Vietnã, mas ele não me afetava diretamente. Na época namorei por dois anos a filha do cônsul americano no Rio de Janeiro. Acho que estávamos fazendo o Planeta dos Mutantes. Então recebi uma carta, falsa, é claro, dizendo que eu estava convocado para o Vietnã. E durante uns dois minutos eu acreditei naquilo! Senti o que era esse outro lado dos anos 60 apenas numa brincadeira. Mas, nos Estados Unidos, por todos os lados havia formas diferentes de engajamento político.
O flower power foi um imenso vórtex mundial. Como é que pode ter acontecido em tantos lugares simultaneamente? As coisas que explodiram no Brasil, os Beatles na Inglaterra, todo o movimento americano... Foi muito forte e englobou diversas áreas além da música. Atacou na política, no teatro, na literatura, nas artes plásticas. Havia uma comunhão de forças, tudo estava acontecendo ao mesmo tempo. É como se todo mundo tivesse programado para que tudo explodisse naquele momento nas mais variadas áreas. Foi muito forte. Nunca mais vi nada próximo acontecer. A emoção estava extremamente alta, à flor da pele. É difícil descrever isso. Você encontrava 20 pessoas na rua e, depois de dez minutos, elas viravam suas amigas para sempre.
Não havia barreiras entre as pessoas, o que é mais impressionante em se tratando de de americanos, que hoje são superfechados, doentes e malucos. A América está muito doente, o que é uma pena.  Desde a morte de Kennedy, algo veio crescendo, um grande golpe mundial aconteceu e o pau começou a comer no mundo, inclusive no Brasil com o golpe militar.
Uma parte importante desse período foram os festivais. O Monterey Pop Festival foi avassalador. Só para você imaginar, até aquele momento ninguém tinha visto o Ravi Shankar. O que ele fez lá é algo até hoje inacreditável. Além disso, no festival também apareceu Janis Joplin e toda a sua magia. Era de enlouquecer qualquer um. E não foi só isso: o Jimi Hendrix entrou em cena ali também. Não sobrou pedra sobre pedra em termos musicais, de atitude, de emoção. Em qualquer nível que você queira buscar uma resultante do Monterey, você encontra algo do maior quilate. O maior guitarrista do mundo nasceu lá. A maior cantora de blues-rock, também, assim como o maior citarista e influência da música indiana de todos os tempos. É impressionante. Considero Woodstock uma consequência disso. Monterey sim, foi o grande barato."
(Continua)


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