Palavras Domesticadas

Palavras Domesticadas

domingo, 7 de julho de 2013

Egberto Gismonti - Revista Música 1983

Egberto Gismonti, um dos músicos mais completos do Brasil, lançou em 1982 o disco Fantasia, e no ano seguinte, Cidade Coração. Era uma fase em que Egberto havia criado um selo, chamado Carmo - nome de sua cidade natal, no Estado do Rio. Por esse selo ele não só lançava seus próprios discos, como também de outros músicos. Na revista Música nº 71, de1983, Egberto fala de sua carreira e do selo Carmo. A matéria tem por título "Gismonti: uma festa do interior no céu":
" 'Eu pretendo me dedicar a uma música que normalmente não tem sido editada pelas gravadoras. A maioria dos discos será gravada no próprio estúdio, que reúne todas as condições técnicas e materiais. Uma outra forma que encontramos para o barateamento dos custos, foi a adoção de um padrão gráfico econômico nas capas dos LPs. Usando apenas duas cores, mas com sensibilidade, de acordo com o produto que está sendo embalado.'
'A Carmo já lançou dois músicos/compositores - André Geraissati e Nando Carneiro. Daqui pra frente, pretendo ouvir o trabalho de outras pessoas; o selo está abrto a ideias novas, quem quiser é só mandar uma fita gravada.'
Os discos  Fantasia, lançado no ano passado, e Cidade Coração foram gravados no estúdio O Porão, atualmente a Carmo.
'Cidade Coração evoca uma realidade que vivenciei muito, a de cidade do interior: o realejo, a igreja, o jardim, a praça e aquelas retretas com todo aquele clima característico. É uma viagem no tempo. A ideia do disco nasceu quando eu estava em minha casa em Saquarema (RJ) e não sei explicar exatamente como aconteceu, mas eu tive a sensação de festa, céu e universo; uma festa do interior no céu. Me veio, também, a ideia de colocar na capa a figura de um velho e uma criança, para caracterizar o presente, o passado e o futuro. Quando me bateu a ideia, as músicas pintaram rapidamente. Então, no disco tem o dia e a noite: o dia começa com uma abertura straussiana, seguindo-se 'Ciranda de Estrelas', 'Realejo', 'Foguetório', 'Lira dos Conspiradores', 'Ladainha', 'Feliz Coração', 'Pra Frente Brasil' e 'Contos de Fadas'; a noite abrange 'Fazendo Arte', 'A Fala da Paixão', 'Dancin Piazolla', 'Ruth', 'Contemplação', 'Cara de Amor' e 'Noite Sem Fim'. As histórias que são contadas neste disco serviram de base para um filme do mesmo nome, o qual vai ser feito por José Anchieta, roteirista, que bolou a capa do LP.'
Em 1967, Egberto começou a se dedicar à pesquisa de música popular, e no ano seguinte foi para a Europa, onde continuou a estudar. Ao mesmo tempo, atuava como arranjador e regente da orquestra que acompanhava a cantora Marie Laforet. Fez inúmeros shows na Itália, França e Alemanha, além de trilhar trilhas sonoras para vários filmes, e participou de festivais de jazz.
Em 1969, de volta ao Brasil, lançou seu disco de estreia, Egberto, ao qual se seguiu, um ano depois, Sonho 70 (ambos pela gravadora Polydor). E deu sequência a suas pesquisas, em meio às idas e vindas entre a Europa e o Brasil.
Mas deixemos que ele conte sua história. 'Meu trabalho não tem um tempo para ser entendido, e sim para ser sentido. E o público percebe isso - inclusive já ouvi pessoas dizerem que ele vai levar anos para ser compreendido; eu mesmo não entendo perfeitamente muita coisa do que eu faço, e eu tenho isso muito claro dentro de mim.'
'Esse processo - afirma  Egberto - é fruto de um trabalho de 15 anos e que custou a ser aceito pelas gravadoras; eu comecei num momento - década de 60 - que não era compatível, e eu não me senti à vontade para dizer coisas que eram contrárias. Depois, no momento mais agudo da crise da matéria-prima dos discos, a Emi-Odeon chegou a ter dúvidas quanto à renovação do meu contrato e eu me senti no paredão. Então, eu resolvi fazer um LP reunindo tudo o que não entrou nos anteriores; dei tudo de mim, fiz um disco bem doido: o Academia de Danças. Em 1975, eu imaginava que este seria meu último disco, no entanto foi o melhor.
'Desde então as coisas mudaram e as gravadoras, aqui e lá fora, me dão total liberdade de ação. Não foi fácil conseguir isso. O fato de eu ter sido teimoso e tinhoso abriu espaço não só para o meu trabalho, como também para o de outras pessoas. E foi dentro desse espírito que criei o selo Carmo; eu já tinha o estúdio, e foi só legalizar. Na estrutura da gravadora sou eu quem cuido de toda a produção artística dos discos, ficando com a Emi-Odeon a tarefa industrial e comercial. Dessa forma, a Carmo entrega à Odeon a fita do disco e o fotolito da capa, com total autonomia quanto à criação do produto que será levado ao público.' "


2 comentários:

  1. Interessante ler sobre o disco "Cidade Coração" - um dos mais lindos que já tive oportunidade de escutar. Tenho um blog também e deixo o convite: http://amizadevinil.blogspot.com. Saudações!

    ResponderExcluir
  2. Obrigado pela visita, Alvaro. Também gosto muito de "Cidade Coração", assim como toda a obra de Gismonti. Irei visitar seu blog. Um abraço

    ResponderExcluir