Palavras Domesticadas

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sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Hermeto Pascoal - 1975 (2ª Parte)

"A impossibilidade de gravar como quer, mesmo no exterior, ele constatou na Alemanha, de onde chegou mês passado. Lá ele se apresentou como convidado especial no 'Festival Internacional de Jazz de Berlim'. Era o quinto integrante de um quarteto formado pelos brasileiros Egberto Gismonti e o percussionista Naná. Voltou um pouco decepcionado por ver que até os músicos estangeiros estão se submetendo aos esquemas comerciais propostos por gravadoras e empresários. Mas também ficou comovido com sua popularidade entre os alemães.
- Depois de cada concerto, dezenas de pessoas traziam o disco que gravei em Los Angeles ou então o álbum-duplo (Live/Evil) que gravei com Miles Davis para eu autografar. Um público maravilhoso, eu me sentia como como se não tivesse saído de São Paulo. Aliás, quer saber de uma coisa? Não troco o Brasil por lugar nenhum do mundo. Aguento ficar fora no máximo uns 6 ou 8 meses. Mais não dá.
Também pudera. Quem como ele, nasceu no sertão de Alagoas não se adapta mesmo no estrangeiro. Ainda mais sem falar uma palavra de inglês. Ele nasceu em 1936, em Vila de Lagoa *, município de Arapiraca. Mesmo na sua música livre e elétrica de hoje, estão presentes todos os sons da infância: as cantigas do pai (cantador e sanfoneiro), as rezas, o coro das beatas, das filhas de Maria, a cantilena dos velórios, as ladainhas, o grito dos vaqueiros e as festas. Em seu espetáculo no Bandeirantes, havia um momento emocionante: no meio de todo speed dos metais, os blocos de som e ritmo, surgia de repente a figura de seu pai (Pascoal José da Costa, autor de 'Galho da Roseira'), de sanfona na mão, como um pacificado Antonio Conselheiro. Quando isso aconteceu, me peguei chorando, emocionado.
Quando saiu do Brasil, em 70, logo depois que o Quarteto Novo (ele, Airto, Theo de Barros) dissolveu, Hermeto foi trabalhar com Miles Davis. Chegando em Nova York foi procurar Miles mas ele já havia se mandado pro Japão. O jeito foi se virar até o 'Negro de Ouro' voltar da excursão. Quando voltou, trabalharam juntos em Live/Evil e quando o disco foi lançado choveram elogios. Foi chamado de gênio por gente como Miles, Lukas Foss, Gil Evans, Ron Carter, Leonard Bernstein e pelo produtor Creed Taylor. Só Airto não disse nada e até hoje, em suas várias entrevistas nunca falou sobre os toques que Hermeto lhe deu. Flora Purim, não. Ela sempre cita Hermeto como responsável por seu sucesso. Ele não esconde sua alegria por ver Flora estourando na América. Flora queria cantar e não cantava coisa nenhuma. Ele deu as dicas: 'Use sua voz apenas como instrumento. Grite, mie, faça os sons mais malucos. Então ela compreendeu tudo e explodiu. Mas Airto achava aquilo feio. No primeiro disco que Airto gravou nos EUA, a faixa 'Uri' é minha. Aliás fiz tudo naquele disco. Depois ele e Flora entraram pro grupo de Chick Corea e deram todas as minhas dicas para Corea. E os americanos ficaram malucos com  o som que 'ele' inventou'.
Hermeto acha uma bobagem os músicos brasileiros se mandarem pro exterior. Lógico que acha difícil haver mercado aqui para a música instrumental, mas prefere ficar.
- O Brasil atualmente é o centro musical do mundo. Aqui estão sendo feitas as coisas mais novas e mais importantes, enquanto lá fora todos estão esgotados. Os músicos criam rótulos como jazz-rock, latin-jazz-rock, ou o funky. Isso é apenas um consolo pra disfarçar a falta de saídas. Mas isso não quer dizer que eu vou sair brandindo as raízes ou fazendo afirmações de nacionalismo musical. Folclore? O que é isso? Pra mim só existe música. Ela é universal e está acima de rótulos ou marcas. Eu nunca digo que sou 'um músico brasileiro que faz música. Porque como músico, eu sou universal.
Hermeto se queixa do desânimo dos músicos mais antigos e muito comprometidos com o sucesso. Elogia os novos músicos 'que acabaram com aquele preconceito de cada um tocar determinado gênero'.  Quando fala dos mais jovens se entusiasma e lembra alguns nomes que considera importantes e mal divulgados: 'Tem o Toninho Horta, tem o Novelli, Raul Mascarenhas, o Nivaldo Ornellas o Lelo (pianista de 17 anos), Aleula (sua vocalista), Zé Eduardo ('ótimo baterista e percussionista') e o Heraldo do Monte, que toca viola e guitarra. Essa gente tem ficar aqui. Podem ir pro estrangeiro gravar disco, mas depois vão ter que dar duro, tocar em boates, e o negócio não é mole. Você acaba ganhando 30 dólares por noite e isso é muito pouco. Eles podem dizer que está tudo bem, mas estão mentindo. Prefiro muito mais tocar em boate aqui do que lá'.
No princípio de 76, Hermeto viaja para Copenhague (2 shows) e Berlim (um). Ele está na expectativa quanto ao seu trabalho no disco de Taiguara que produziu antes de ir pra Alemanha. Fez também sua primeira experiência para cinema: música e arranjo para o filme 'O Predileto', de Roberto Palmari, com história de Roberto Santos. Como ele não grava mais, nem trabalha na TV, está a disposição dos jornalistas para papos, entrevistas e divulgação de seu trabalho. Está também procurando um teatro para fazer concertos às segundas-feiras.
- Estou muito feliz. Não dependo das gravadoras, nem da TV. Mas se me derem condições de trabalhar com liberdade, aí eu meto a cara. A gente tem de tocar o que sabe, sem se preocupar em agradar a ninguém. Quanto mais sinceridade, mais fácil será o diálogo.
Quando ia saindo, Hermeto me pegou pelo braço: 'Não me leve a mal, Gosto muito da revista Rock, mas acho uma besteira aquele concurso de vocês. Eu e Rita Lee concorrendo na mesma sessão. Adoro aquela menina, gosto muito da voz dela e de suas músicas. Mas tudo é tão sem sentido. Todos esses concursos de melhores são sem sentido. É coisa de Silvio Santos'. "

* Na verdade, o nome do local de nascimento de Hermeto é Lagoa da Canoa

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