Palavras Domesticadas

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segunda-feira, 6 de abril de 2015

Turíbio Santos Fala do Violão de João Gilberto

Turíbio Santos é um dos melhores violonistas clássicos do Brasil, reconhecido internacionalmente, e com uma ligação com a música popular e folclórica. Grande conhecedor de seu instrumento e da técnica violinística, Turíbio prestou um depoimento sob a maneira bem pessoal de João Gilberto executar seu instrumento, num caderno especial do Jornal do Brasil em 03/06/2001, em homenagem aos 70 anos de João Gilberto, completados naquele ano. O Texto de Turíbio é intitulado "João Gilberto, o Caçador da MPB":
"Uma das experiências mais curiosas que já fiz com o violão foi tentar acompanhar João Gilberto. Não. Não foi com ele ao vivo. Na realidade foi acompanhar uma gravação do cantor. Do tipo passo a passo.
Vamos imaginar você seguindo as pegadas de alguém na areia e colocando seus passos exatamente em cima dos passos da pessoa seguida. Assim, descobri primeiro a harmonia do João. Precisa, impecável, com soluções indiscutíveis. Trabalho de ourives.
Depois desvendei (ou tentei) o ritmo. Os problemas foram se complicando. A invenção do João é imbatível e o pior: sua execução é de uma perfeição que beira as raias do impossível. Maior surpresa ainda: ele extrai mensagens polifônicas (várias vozes, para os que não sabem) do seu violão, como se cada corda fosse tocada por um instrumentista diferente.
É isso mesmo. Aquele blem-blem que as pessoas utilizam para tentar ridicularizar a bossa nova, no caso dele, é a soma de conhecimentos musicais oriundos de uma prática, uma aplicação, um treinamento intenso. Coisa de João Gilberto.
Turíbio na capa da revista americana Guitar
Eu fiquei tão espantado com o resultado dessa experiência, a princípio singela e mais tarde diabolicamente complicada, que passei a entender melhor a aura de magia que envolve o cantor. Ele cerca suas canções com o instinto de um caçador. Ele as captura, se apaixona, enche de mimos, protege-as, e, finalmente, quando as liberta do cativeiro, elas têm a sua marca. Todos nós, intérpretes, fazemos isso de alguma maneira. No caso presente, o que interessa é a internsidade dessa devoção pela obra a ser interpretada. Quando ouço um Jacques Brel, uma Edith Piaf, um Sinatra ou Louis Armstrong morro de inveja da possibilidade de dizer poemas ao mesmo tempo de uma frase musical.
João Gilberto é rei desta arte: dizer um poema que não esconde a frase musical, que a realça, que a justifica. A cópia é uma das maneiras de se aprender na artes. Copiar João Gilberto é difícil, aliás, dificílimo. Mas quem tiver a paciência e a disciplina do exercício vai receber um banho de aprendizagem, uma cachoeira musical. E os que não tiverem, pelo menos fiquem atentos à concisão, à economia e objetividade desse caçador incansável da nossa música popular."

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