Palavras Domesticadas

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sexta-feira, 19 de junho de 2015

A Primeira Vez que Eu Li Sobre Itamar Assumpção - Jornal Canja (1980) - 2ª Parte

"Mas, acreditando que agora o sucesso está mais perto, ele segue na batalha. Compondo, fazendo arranjos e indo e vindo todos os dias da Penha (onde mora) ao Butantã, à casa de Randó, o guitarrista que o acompanha há dois anos. São quilômetros e quilômetros que Itamar enfrenta diariamente de ônibus.
Mas Itamar encara essa situação toda com o pique do artista. Diz que o seu objetivo é fazer música para essa gente que anda de ônibus mesmo. Música simples, fácil de entender, mas sem nenhuma apelação, sem deixar cair o nível. Por enquanto não conseguiu. O pessoal que ele cruza nas filas dos pontos de ônibus da Estação da Luz está noutra. Mas ele acredita que a situação vá mudar. Suas letras têm uma nítida preocupação social. Um reflexo de São Paulo, da barra pesada da cidade, principalmente quando observada do ponto de vista da própria Estação da Luz. Mas não há nada de muito direto, pois ele não acredita na música panfletária. Em Nego Dito, por exemplo, faz do seu jeito, referência à repressão policial, através de um cara cuja 'boca espuma de ódio' se alguém chamar a polícia. Isto tem a ver com um fato que ele costuma observar sempre, nos ônibus lotados: 'quando entra um policial, pela porta da frente, todo mundo, até o motorista, evita falar com ele.'
Suas composições, porém, não têm nada de solene, grave. A crítica de Itamar se expressa através da ironia, do sarcasmo, do sarro. Como nesta passagem de Peço Perdão: 'Quem sabe um dia posso ser sócio de um homem de negócio'.
Há também em sua música espaço para cantar a paixão de um jeito moderno, sem pieguice, como nestes versos de Fico Louco: 'Eu quero ver você curtindo/o reggae deste rock comigo/Eu quero ver você dizendo/que gosta de viver no perigo...'
O que ele transa solenemente é a elaboração musical nos arranjos que desenvolve junto com o guitarrista Randó e o baterista Paulinho Barnabé. Randó escreve todo o trabalho que desenvolveram e às vezes uma só música pode demorar semanas para ficar 'apresentável', mesmo depois de composta.
Essa mania de buscar a perfeição em tudo leva Itamar a esculhambar a maioria dos jovens músicos que têm pintado nos últimos tempos. Em uma imagem irônica, o jovem que sai de casa, com um violão debaixo do braço, desejando tomar parte do primeiro festival que aparecer pela frente, esperando sucesso imediato.
Seu lance é outro e ele acha que todo mundo tem de fazer como ele, que deu um duro danado pra aprender a ouvir música, compreender profundamente a sua linguagem, a forma de expressão dos maiores talentos, os ritmos.
Itamar diz ter aprendido esse grande segredo de ouvir com Jimi Hendrix. Diz que foi muito difícil, pois Hendrix não seguia aparentemente nenhuma técnica e a primeira impressão de seu som é que não tinha pé nem cabeça. Mas quando começou a perceber que era o contrário disso, acreditou ter achado a chave. E é com ela que, há quase oito anos, vem tentando abrir uma porta."

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