Palavras Domesticadas

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sexta-feira, 5 de junho de 2015

Caetano Veloso Fala do Disco "Muito" (1978) - 1ª Parte

Em 1978 Caetano Veloso lançava seu disco "Muito". Na ocasião a jornalista Ana Maria Bahiana escreveu uma matéria, e fez uma entrevista com Caetano para o jornal  O Globo. Um texto introdutório antes da entrevista, que traz como título "Nem herói nem mártir: imprevisível, como sempre", diz:
"Em meados do ano passado parecia que a sempre tão pranteada era dos festivais estava de volta: com o mesmo calor de dois anos atrás, retomavam-se as mesmas polêmicas, as mesmas discussões, as mesmas acusações. Músicos, compositores e críticos alinhavam-se de novo em fileiras impressionantemente semelhantes, e as velhas armas eram sacadas: participação política do artista versus alienação, defesa do patrimônio nacional de cultura versus dominação estrangeira. E, no centro da comoção, mais uma vez, o mesmo Caetano Veloso de sempre. Com a mesma nonchalance de sempre, o mesmo ar meio entediado maio zangado meio divertido de quem ao mesmo tempo sabe e se espanta de estar ali, na raiz mesma da polêmica. A trajetória era muito sua conhecida: já antes, ele havia deixado de ser o rapaz simpático e tímido com imensa cultura musical que ganhava todos os prêmios do 'Esta noite se improvisa' para se transformar no participante incômodo, malcriado e perturbador dos festivais & adjacências . Agora rompia-se o consenso unânime que se formara a seu redor, desde a volta de Londres - de que era, não apenas uma glória do nosso cancioneiro, mas um herói, quase um mártir, de proporções míticas e inatacáveis. Talvez isso não o tenha perturbado: ninguém realmente sabe o que oculta a mente oceânica e o brilho matreiro do olho de Caetano Veloso. O que certamente o chateou - como chateia - foi verificar que seu pelotão de fuzilamento ainda era o mesmo, portando tão velhos fuzis.
Enfim, como ele é Caetano Veloso, fez o improvável: após o discutido, semifracassado e aparentemente mal resolvido 'Bicho Baile Show', com a banda Black Rio, saiu-se de repente com um espetáculo sereno, inteiro, resolvido com perícia e sensibilidade e, numa palavra, inatacável.
Foi no teatro Clara Nunes, na Gávea, no início do ano, assessorado por um time brilhante de músicos: Tomás Improta no piano, Sérgio Dias Batista na guitarra, Vinícius Cantuária na bateria, Arnaldo Brandão no baixo, Marcos Amma na percussão. Os mesmos que, com alguns adendos - Bolão na percussão, Perna no piano - fazem boa parte da força e da beleza de 'Muito', o novo disco de Caetano, bastante diferente, em concepção e resultado, de 'Bicho'. Um álbum que, estranhamente, está sendo ignorado, em termos de apreciação pública, tanto pelos adoradores quanto pelo pelotão de fuzilamento. Caetano se importa? Ele está tranquilo, contente e imensamente satisfeito com este trabalho. Só não esperem dele um auto-da-fé e o arrependimento público de seus 'pecados': suas opiniões, pontos de vista, gostos e desgostos também continuam os mesmos. Ou seja: imprevisíveis."
Abaixo, a entrevista:
"- Conversando com Macalé  outro dia, ele verbalizou bem o que é esse disco, 'Muito'. Ele disse: 'Já reparou como Caetano anda amoroso, ultimamente?' Isso é fato mesmo, Caetano, isso se passa ou é só impressão de quem vê de fora?
- Bacana vocês dizerem isso. Mas eu não sei dizer se estou mais ou menos amoroso. O disco tem mais temas de amor... talvez eu esteja, mesmo. E amor, mesmo, é o assunto. Na hora em que eu fiz não pensei, mas depois do disco pronto eu achei que era mesmo amoroso. Quer dizer, o disco 'Amoroso' é aquele disco do João Gilberto. O meu não pode desejar ser do mesmo nível. Mas é um disco amoroso, no fundo.
- Inclusive a capa (onde Caetano aparece no colo de sua mãe, Dona Canô) já é amorosíssima.
- Pois é, menina. Eu queria botar uma fotografia, eu sabia tudo menos a fotografia exata. Eu sabia que era uma coisa redonda, azul, já tinha explicado tudo ao Aldo (Aldo Luiz, chefe de arte da Phonogram), mas eu queria uma fotografia minha com uma mulher, e obviamente pensei em fazer com Dedé. Mas eu achava que não era Dedé. Todo mundo sabe que Dedé é minha mulher, não é isso, talvez seja uma pessoa desconhecida, que fique de costas, uma coisa mais simbólica. Mas eu não sabia bem o que eu queria. Era uma mulher que ia aparecer simbolizada, mas eu não tinha pensado que era. Aí Bethânia, num dos ensaios do show que estou fazendo com ela, chegou com  essa fotografia, que o Januário tinha tirado no camarim de um show dela do ano passado, assim com flash. Aí eu disse: 'É isso! Genial aquela fotografia, no fundo o que eu queria era aquela foto. Só que eu nem sabia que a foto existia.
 - Na sua maneira de ver, como esse disco é?
- Depois que o vi pronto gostei muito do disco. Quando eu estava fazendo estava adorando, mas não pensei que desse um produto tão bonito, eu pensei que era melhor pra gente que estava fazendo do que pra fora. Mas depois que saiu eu vi assim  de fora. Mas depois que saiu e eu vi assim  de fora e vi outras pessoas ouvindo, achei que ele é lindo. Gosto até mais dele do que dos outros discos que tenho feito, ultimamente, por causa de uma coisa que ele tem: a espontaneidade. Na verdade eu sempre estive ligado numa coisa espontânea, uma coisa que seja o que for, o que pintar... canções, vou pro palco cantar canções novas e velhas e o que quiser. Sempre meus trabalhos  são mais assim do que, por exemplo, o 'Bicho Baile Show', onde havia um tema específico, era uma peça sobre um assunto: dançar. Como se você tem uma peça sobre discos voadores, tem que ter efeitos especiais, e sobre um bairro de Niterói, sei, lá, tem que  ter esse bairro. O 'Bicho Baile Show' era sobre dança, então a banda tocava, eu cantava, a banda tocava de novo... Mas a maior parte das minhas coisas são espontâneas, mesmo.
(continua)



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