Palavras Domesticadas

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segunda-feira, 22 de junho de 2015

Erasmo, um Rockeiro sem Medo de Envelhecer (1976)

Em 1976, Erasmo Carlos lançava o excelente álbum "Banda dos Contentes", que segundo um comentário da época, "retoma a linha musical e poética lançada em Sonhos e Memórias, o elogiadíssimo disco que lançou em 1972". Erasmo já podia se considerar um veterano no cenário do rock nacional. Como a introdução da matéria destacava, "Aos 17 anos de carreira, o mais tradicional dos nossos rockeiros já não precisa correr atrás de sucesso. Tranquilo, sem medo do tempo, Erasmo garante: 'Quando a cuca vai bem, tudo corre às mil maravilhas'. Em matéria publicada no jornal Hit Pop, que vinha encartado na revista Pop, Erasmo fala do disco e de sua carreira. A matéria é assinada por Eliane Martins:
" 'Está tão difícil ajeitar as coisas/E cada vez mais, agradar a todos/Quanto mais se faz, mas fica-se devendo/E pra se viver, mais vai se fazendo.'
Quando o sucesso vem, vem por si mesmo. Erasmo já não se preocupa em correr atrás dele, em fabricar uma imagem para contentar as fanzocas, como no tempo da Jovem Guarda. A liberdade musical proporcionada pela Phonogram e a estabilidade emocional alcançada com Narinha garantem sua tranquilidade.
- Você realmente mudou, ou apenas amadureceu artisticamente?
'Mudei. Mudei para melhor. Agora não sou mais galã de jovem guarda. Não me preocupo mais com a imagem. Eu estava sufocado, agora estou mais livre.'
Depois da Jovem Guarda, a indefinição. Achava que ali era o limite, que não havia saída. Daí, pintou o Tropicalismo, e Erasmo foi tomando seu rumo. Ou melhor, retomando.
'Começaram a aparecer pessoas mais cabeludas do que eu. Então, veio o desafogo. Há 17 anos, já cantava rock na Jovem Guarda. Tudo que eu faço agora, nada tem a ver com esse tempo, apesar de sempre ter transado rock.'
Assumiu seu ritmo, suas influências, e acha que esse é o caminho.
'No fundo mesmo, estou tranquilo, numa boa. A crítica está me dando a maior força. Todo mundo está falando bem do meu trabalho.'
Sua formação, suas preferências, pedras fundamentais na construção de sua carreira.
'Chico Buarque é meu preferido. Caetano Veloso, pela simplicidade com que apresenta suas músicas. Em Gilberto Gil a diversificação e o swing. Em Jorge Ben, a espontaneidade. Dos caras de fora, me amarro no James Taylor, Bob Dylan, John Lennon, que é meu ídolo, Elton John, Paul Simon.'
Dia 18 de janeiro, fez seu primeiro show individual em 17 anos de carreira, no MAM (Museu de Arte Moderna, no Rio). As pessoas deixaram seus grilos em casa, foram curtir o som. Um verdadeiro carnaval de rock.
Segundo Erasmo, a importância do intercâmbio direto com o público: 'Há dois anos, participei de um show no Teatro Bandeirantes, em São Paulo. Foi um barato. Todo mundo dançou no palco. Isso me motivou a prosseguir com esse tipo de trabalho, que é tão simples e quase ninguém faz. Daí pintou esse último, exclusivo.'
Dá o exemplo, bota fé no rock brasileiro.
'O público está mudando ou os artistas estão melhorando. O fato é que o rock brasileiro está píntando. Pra isso, estão aí Rita Lee, o Terço e outros, enchendo os lugares onde vão cantar.'
Recebeu um convite. 'Cachaça Mecânica' e outros sucessos estavam estourando na Holanda, imaginem!
'Lá, eu fiz um especial e três programas de televisão. Deixei engatilhados outros sucessos: O Comilão foi um deles. Cachaça Mecânica foi lançada este mês na Suíça, e a divulgação já está a caminho de outros países da Europa.'
O sucesso pinta sem ser procurado. Vem por si mesmo. Um flashback musical: trilhas sonoras para as novelas 'O Bofe', 'Pigmaleão 70', 'Rock Santeiro' e 'Despedida de Casado', as duas últimas proibidas pela censura. Em teatro, compôs para 'A Vida Escrachada de Baby Stompanato', peça estrelada por Marília Pera e Marco Nanini. No cinema, transou músicas para 'Diamante Cor-de-Rosa', '300 Km por Hora', 'Os Homens Traem e as Mulheres Subtraem', e 'Os Machões'.
Seu último LP: 'Banda dos Contentes', não é redondo, fechado, nem sufocante. É um trabalho livre, aberto, de um rock muito simples, girando em torno de um mundo real. Pode-se criar em cima dele.
'Meu disco anterior, 'Projeto Salva Terra', falava de sonhos e memórias. 'Banda dos Contentes' é uma continuação, só que esse mundo agora está alicerçado, não está solto no espaço. 'Contente', aqui, é uma antítese, fala do cara que pensa ser feliz. E 'Banda dos Contentes' é também o título do meu livro, que deve ser lançado em julho'.
Cinco músicas do novo LP foram incluídas no repertório do show que vai ser levado por várias capitais do Brasil: 'Filho Único', 'Análise Descontraída', 'Queremos Saber', de Belchior(*), e a própria 'Banda dos Contentes'.
A linha mais simples de um cara que assume seus conflitos, sua eterna dúvida entre o bem e o mal. Um rockeiro que vem resistindo a todos os tempos e contratempos. Que já esteve muito no alto e parece estar sempre recomeçando.
'Quando a cuca está bem, tudo vai bem. Esse é o ponto de partida, sem medo do tempo.' "

(*) A música "Queremos Saber" não é de Belchior, mas de Gilberto Gil. A música de Belchior que Erasmo gravou em Banda dos Contentes é "Paralelas"

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