Palavras Domesticadas

Palavras Domesticadas

segunda-feira, 8 de junho de 2015

Falando de Rosinha de Valença - LP por Um Real (1997)

O Brasil é um país onde se destacaram vários violonistas, tantos, que nem vale a pena destacar alguns, já que qualquer pessoa que se interesse por música conhece muito bem. Mas se formos lembrar de uma figura feminina que tenha se destacado no violão, logo nos vem à mente o nome de Rosinha de Valença. Dona de uma técnica fantástica, e de um toque com bastante personalidade, Rosinha conquistou seu lugar entre os grandes músicos nesse instrumento, deixando uma obra admirável - embora tenha gravado poucos registros-solo. Mas seu nome aparece em várias gravações como acompanhante em discos antológicos da MPB, e em inúmeros shows. Infelizmente Rosinha nos deixou cedo, em 2004, após um longo período em coma. 
Em abril de 1997, Rosinha foi destacada na revista Música Brasileira, num texto escrito pelo músico Antonio Alvim, onde ele fala da participação dela no projeto Seis e Meia, que trazia grandes shows por um preço barato - um ótimo projeto que trazia boa música por um preço acessível, num horário alternativo. O texto, revela uma característica da época: Os CDs dominavam o mercado fonográfico, e os vinis, em baixa, eram vendidos por preços módicos, quase de graça. O autor do texto fala justamente disso - a desvalorização de um trabalho rico em qualidade, por um preço bem abaixo de seu real valor. Segue abaixo o texto:
"Antiga Rua da Leiteria - Valença, de Rosinha. Ou melhor: Rua Visconde de Ipiabas - Valença/RJ. Ali encontro Rosinha, próximo ao muro de chapisco escurecido pelo tempo. O banco alto, seu violão acústico, um sorriso para o Sivuca a seu lado e, atrás, o Jamil Joanes a garantir o swing da área grave. Um relógio, bem na frente, marca seis e meia. O show vai começar.
Sabe quanto custa o show de Rosinha? O 'irreal' um real. Porque estamos em 1997, tempos de CDs. Obsoletos LPs, shows dos anos 70 no Teatro João Caetano, ainda que com Sivuca e Rosinha de Valença, podem ser adquiridos a um real. Compro imediatamente o disco e me pergunto: como pode custar essa bagatela o maior balanço violonístico que esta cidade já produziu? São as mais criativas sequências harmônicas, plenas de talento, daquela que tocou por uma cidade inteira, como dizia Stanislaw Ponte Preta. O preço real traduz a nacional memória curta... Rosinha correu mundo. Tocou nos States com Stan Getz, na África atravessou rio infestado de crocodilos e acompanhou Miriam Makeba, gravou na Alemanha e estava vivendo em Paris. Saberiam os ouvidos parisienses ouvir sua música?
A batida inconfundível de violão de mesclava jazz, bossa nova e seresta, sem jamais deixar de ser Rosinha, hoje se pode ouvir pagando apenas um real, em LP. São os mistérios da vida. A minha amiga Rosa Canellas está quietinha no leito, por alguns esquecida, cumprindo o destino que estabelecera o tempo-limite para o seu improviso soar. Sua música não mais poderá ser ouvida ao vivo, por ela executada. Mas ecoa única e permanente nos corações de todos nós que acompanhamos a trajetória radiante daquela que, se partiu para levar ao mundo o violão-Brasil-Valença, agora, generosamente, oferece a sua arte ao povo valenciano, pela módica quantia de um real..."

Nenhum comentário:

Postar um comentário