Palavras Domesticadas

Palavras Domesticadas

terça-feira, 23 de junho de 2015

Uma Análise do Fusion - Jornal Rock Press (1885) - 1ª Parte

"Com o advento do rock nos anos 50 - pela explosão inicial de Bill Haley e o impacto ocasionado por Elvis Presley - e o meteórico aparecimento dos Beatles na década seguinte, a música popular sofreu a maior transformação de toda a sua história. O rock chegou na hora certa, foi a voz de uma juventude desiludida à espera de um acontecimento marcante. Os jovens imitavam seus ídolos literalmente em tudo e por tudo, mudando radicalmente seus hábitos e seu comportamento. Uma nova era começou, e o jazz não era mais a música da mocidade."
Com esse texto introdutório, começa uma boa matéria publicada no jornal Rock Press em janeiro de 1985, sobre a criação e consolidação do "fusion" ou "jazz-rock", uma das mais importantes transformações pelo qual os dois gêneros passaram ao longo dos anos. A matéria, escrita pelo crítico de jazz José Domingos Raffaelli, trazia como título "Fusion - o dia em que o pai dormiu com o filho":
"Os jazzmen conheceram dias difíceis, refletidos na limitações do mercado de trabalho, inclusive gravações. Os concertos ao vivo diminuíam e muitos clubes noturnos fechavam suas portas; alguns mudaram de profissão, outros partiram para a Europa buscando melhores oportunidades e os mais afortunados encontraram uma vaga nos estúdios de gravação. Os que continuaram no jazz trabalhavam menos. Um deles, o trompetista Miles Davis, que sempre pautou sua carreira olhando para o futuro, buscou uma solução ao fundir o jazz com o rock, que logo ganhou o nome de jazz-rock. Ele idealizou reconquistar os jovens com essa amálgama, combinando a improvisação jazzística com os ritmos e timbres do rock. A fusão também representou uma reação à imagem predominante do jazz como uma arte elitista. 
Incorporando as formas populares daquele momento ao jazz, Miles e seus músicos semearam as bases para mudar o panorama, colhendo índices de vendas de discos e afluência aos concertos jamais imaginados desde os bons tempos das lendárias big bands da Era do Swing. A motivação comercial, por certo, não foi a única causa. Historicamente falando o jazz sempre foi uma música de fusão, no verdadeiro sentido da palavra. No início do século, os músicos de Nova Orleans tocavam uma mistura dos blues com a quadrilha francesa, a música derivada das bandas europeias, os ritmos africanizados, música espanhola e outros gêneros menos conhecidos. O compositor-pianista Jelly Roll Morton incorporou essas influências à sua música; o maestro Duke Ellington e o trompetista Dizzy Gillespie adotaram ritmos afro-cubanos a latinos em geral, e nos anos 60 não foram poucos os que aderiram à bossa nova, deixando claro que a ideia do chamado 'jazz puro' é um mito.
In A Silent Way, de Miles Davis
O início da fusão, pelo menos aconteceu com o LP In A Silent Way, de Miles Davis, gravado em 18 de fevereiro de 1969. Dentro dessa linguagem, anteriormente ocorreram esparsas gravações de fusão, como o grande sucesso The 'In' Crowd, do pianista Ramsey Lewis, em 1965, combinando o piano hard-pop jazzístico com um acompanhamento rítmico influenciado pelo rock, e o disco Goin' Out of My Head, do guitarrista Wes Montgomery, de 1967; foram registros isolados do material sem maior significação, historicamente, que não geraram qualquer continuidade. A despeito de In A Silent Way ser o primeiro, foi o álbum Bitches Brew, gravado seis meses depois pelo próprio Miles, que acendeu o estopim do movimento, contendo a verdadeira expressão da percussão orientada para o rock, com linhas de contrabaixo repetidas em ostinato e o clima gerado pelos instrumentos eletrônicos que caracteriza esse modo musical.
Miles liderou a banda e transferiu para o disco as suas ideias revolucionárias, mas não foi o único criador da música. Os bateristas Tony Williams (que depois organizou o grupo Lifetime), Jack Dejohnette (que esteve à frente do Compost, um grupo de efêmera trajetória) e Lenny White contribuíram ritmicamente para a nova versão do rock; o guitarrista inglês John McLaughlin (mais tarde líder da célebre Mahavishnu Orchestra) e  o tecladista Joe Zawinul (co-fundador do famoso Weather Report, ao lado saxofonista Wayne Shorter), que despertou o interesse de Miles pelo piano elétrico, foram também muito importantes no movimento. Outros nomes do jazz logo engrossaram as fileiras da fusão: o organista Larry Young, os pianistas Herbie Hancock (com o seu Headhunters) e Chick Corea (com o seu Return To Forever, que reuniu os brasileiros Flora Purim e Airto). Assim, Miles foi o pai incontestável do movimento, pois os líderes do Headhunters, Mahavishnu, Weather Report, Lifetime e Return To Forever foram seus músicos."
(continua)

Nenhum comentário:

Postar um comentário