Palavras Domesticadas

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segunda-feira, 20 de julho de 2015

O Som Elétrico de Miles Davis - Revista Música do Planeta Terra (1975) - 3ª Parte

" Há ainda 'Honk Tonk', uma faixa da época de 'Live- Evil', que dá oportunidade de ser criado um paralelo com  a atual banda de Miles, a evolução dos grupos possui uma inter-relação infinita, é uma cadeia orgânica. Nos teclados de Keith Jarret estão traçadas as rotas para o som de Miles, e na guitarra de John McLaughlin estão previstas as atuais experiências de Pete Cosey e Reggie Lucas. A ideia original, Calypso, engendrou Calypso Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique), que simplesmente é uma peça para ser digerida e assimilada nos próximos dez anos. Miles já havia revolucionado a harmonia, a tonalidade e a melodia, agora revolucionou o ritmo e todo seu conceito, dando em uma só peça toda história da percussão, numa miniatura, numa peça intrincada. Seu som é afro, o tribal cibernético, o caldeirão do diabo com ritmos em fogo, os metais em brasa, o grito dos blues espaciais sustentados pelo drive das percussões; é a direção além que ele nos aponta agora. 
O produtor de seus discos nos últimos vinte anos, Teo Macero, é formado em composição na Juliard School e atua no campo da música de vanguarda, já tendo trabalhado com John Cage e Donald Lybbert. O conceito dos discos de Miles é novas direções em música, e para eles dois produzirem esse trabalho, essa proposição Teo diz que tinha mesmo que de ser compositor e possuir um alto nível de conhecimento musical, pois assim ele pode sentir quando uma coisa é realmente nova em termos de música. Quando há realmente no trabalho de Miles uma nova direção, é aí que entra seu encorajamento. São novas mudanças, rumos, algo que nunca tenha ocorrido em música antes.
Este é o trabalho que Teo e Miles se propõem desde a primeira vez que resolveram imprimir na capa dos discos a máxima de seu trabalho, 'New Directions in Music'. Miles virou o jazz de cabeça pra baixo no mínimo quatro vezes; o Bop com Parker, o Cool Jazz, o Jazz modal iniciado no sexteto que incluía Coltrane e depois da virada total do século a abertura das fronteiras do jazz, para todas as linguagens musicais.
A colaboração de Miles e Teo é considerada pelo último como um casamento. Miles exige um trabalho total, desde a escolha dos músicos ao artista que fará a capa, pois para ele, cada capa é uma roupa mágica para um vinil atomatizado. Bitches Brew, Live-Evil e a trilogia de cartuns do On the Corner, In Concert e Bing Fun, todos possuem um significado próprio que Miles escolheu para guardar a sua linguagem, o seu disco, para ele um objeto total.
'Miles é a única super-estrela do jazz', disse Chico Hamilton. Mas ele não quer ser uma estrela. Ele quer o reconhecimento de seu povo, os negros, o criouleu da América. 'Eu gosto quando a rapaziada negra fala: Oh! homem, aquele é Miles Davis, como eles falaram de Joe Louis. Em Greensboro alguns gatos me falaram: 'homem, nós estamos agradecidos de você ter  pintado por aqui'. Isso foi uma das maiores emoções que tive'. Miles Davis é um homem que corre, ele não mede esforços para conseguir o amor do povo negro. Dinheiro, para ele não é o importante, ele quer a admiração de sua raça. Mas não é ligado à movimentos radicais. Miles é Miles, Selim Sivad. Uma figura especial, um cara admirado por gente finíssima.
 Para John McLaughlin, 'mais que um grande trompetista, Miles é um grande artista, minha dívida para com ele não cabe mencionar. Se não fosse ele eu poderia estar compondo e tocando por caminhos totalmente diferentes'. Chick Corea falou que Miles 'é um dos artistas que captam a consciência de sua época e através de sua estética alteram os valores de seus contemporâneos; a minha maior experiência foi ter tocado com ele, eu o amo totalmente'.
Miles também é pugilista, já foi heroínômano, tem paixão pela bateria e além do trumpete, ultimamente se aprofundou no órgão e piano elétrico. E ao ser perguntado sobre suas preferências musicais, certa vez,  ele respondeu que só ouvia Stockehausen; mas logo depois confessava que era fã número 1 de Al Green e Roberta Flack.
Suas declarações chocaram e revoltaram a vanguarda do free-jazz, quando ele malhou, numa entrevista publicada na Down Beat, Eric Dolphy e Cecil Taylor, dizendo que eles eram chatos e sem balanço. Já o pessoal da Mainstream não aguentou quando ele disse que Freddie Hubbard (que é considerado o maior trumpetista de Louis Armstrong) é um músico sem imaginação e talento.
Fala-se em carisma religioso. Os músicos tocam com Miles e depois explodem em todas as direções, como num conservatório mágico de onde todos saem mestres. Miles quando é perguntado sobre isso, sobre essa influência que exerce nos músicos que com ele tocam, apenas ri.
Miles até hoje está ligado ao trabalho dos músicos que tocam com ele. Toda vez que algum deles vai gravar um disco pede a opinião de M.D., ele próprio dá preferência aos discos de seus músicos, segundo ele, por uma questão de incentivo, para mostrar que eles fazem o melhor realmente.
Mas é sem dúvida uma das maiores figuras desse século. Revolucionário. Uma pessoa rara, como Ornete Colemam, John Coltrane ou Jimi Hendrix. Músicos que modificam, elevam a música para a frente, sem perder o calor, o sentimento, o balanço, essas coisas definitivamente negras, coisas que o branco passou a dar maior atenção a partir da década de 60, e que devemos assumir, Dionísios que gera toda a nossa musicalidade divinal, este Eros negro que habita cada um de nós.
E que homens como Miles Davis, com sua música, fazem despertar e ir dançar pelas ruas do mundo inteiro.
Eletrocutados, agradecidos.

Discografia da fase elétrica de Miles, das primeiras manifestações à suas últimas consequências:

1) Miles in the sky - (9/69)
2) Filles de Killimanjaro  - (3/69)
3) In a silent way - (10/69)
4) Bitches Brew - (6/69)
5) At Fillmore - (1/71)
6) Tribute to Jack Johnson - (72)
7) Live Evil - (1-72)
8) On the corner - (73)
9) In Concert - (73)
10) Big fun - (74)
11) Get up with it - (75) "

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