Palavras Domesticadas

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quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Black Crowes Traz o Melhor dos 70 para os 90 (1992)

Nos anos 90 surgiu uma banda que trazia em seu som todo aquele clima dos anos 70. Um rock que trazia em seu DNA a marca incontestável de bandas que surgiram ainda nos anos 60, e se estabeleceram na cena do rock nos anos 70. O Black Crowes conseguiu agradar a muitos fãs saudosistas daquela fase mais rica do panorama do rock, mesmo assim, alguns puristas viam em seu estilo algo de oportunista ou uma cópia mal feita. Mas a verdade é que havia ali uma autenticidade e um envolvimento com aquela atmosfera setentista, que leva muitas bandas que fazem covers de bandas dos anos 70, incluírem em seu repertório algo do Black Crowes - Remedy, principalmente.
Abaixo transcrevo uma matéria publicada no sessão "Rio Fanzine", que saía aos domingos no jornal O Globo, assinada por Carlos Albuquerque, no  26/07/92:
"Culpa demais escurece o raciocínio. Tome 'Atração Fatal' como exemplo. Trata-se de um filme conservador? Sem dúvida. Do começo ao fim ele é tradição, família e propriedade. É um filme cínico, não é? Claro (afinal.como esquecer a cena final com um close no porta-retrato da família unida e feliz... depois de tudo aquilo!). É um filme previsível? É, é previsível sim. É isso tudo. - conservador, cínico e previsível. E é muito legal também, se você não se preocupar tanto com essas coisas e quiser apenas se divertir e levar um susto aqui e outro ali. Afinal, não custa lembrar, aquela brincadeira do 'politicamente correto' já saiu de moda até mesmo nos Estados Unidos.
Com o Black Crowes acontece a mesma coisa. Desde o lançamento do seu primeiro disco, 'Shake Your Money Maker' (4 milhões de cópias vendidas, só nos EUA), o grupo dos irmãos Robinson (Chris, o vocalista, e Rich, o guitarrista) tem ouvido poucas e boas. Que são uma cópia de quase tudo que se fez (de bom) nos anos 70. Que são uma xerox bem definida de Faces, Stones, Humble Pie, Bad Company e até mesmo Led Zeppelin. Que Chris Robinson imita descaradamente Rod Stewaart e Mick Jagger. Que isso e aquilo. Estaríamos dessa forma, diante de um Frankstein de bom coração.
E quer saber? Essa turma toda está certa. Os Sherlock Holmes do pop (ou seriam Matraca Trica e Fofoquinha?) descobriram mesmo todos os crimes do grupo. O Black Crowes - cujo segundo disco, 'The Southern Harmony and Musical Confort', acaba de sair aqui via PolyGram - é mesmo um saladão de referências, um painel de recordações do passado. Legal. O próximo passo qual é? Prendê-los? Processá-los? Não. O próximo passo é ouvir o disco. Porque aí todos os crimes (e culpas) serão perdoados. É que o Black Crowes é muito, muito bom. E, convenhamos, é isso o que interessas no final das contas.
'The Southern Harmony and Musical Confort' é o melhor disco dos anos 70 lançado nos anos 90. O clip de 'Remedy' - a música de trabalho - é emblemático. Nada de 'viagens', fantasias cinematográficas ou espetaculares efeitos especiais. Apenas a banda tocando. E aí fica claro a paixão de Robinson por Jagger e Stewart. Magro, longos cabelos, usando calça de veludo boca de sino e colares pendurados no peito, ele rebola e dança exatamente como Jagger fazia quando era jovem. Um sample de carne e osso. E ótima voz.
E antes que alguém diga que é preferível ouvir o original do que uma cópia, por melhor que ela seja, é bom lembrar que os Black Crowes estão em situação privilegiada. Como não beberam na fonte de apenas um grupo, eles se beneficiam da variedade de sons absorvidos (repare bem, absorvidos e não copiados). A sua originalidade se dá exatamente na habilidade em costurar todas essas influências em benefício do conjunto. Afinal, não é chegando na clínica de um cirurgião plástico e pedindo os olhos dec Sharon Stone, aboca de Isadora Ribeiro e o nariz de Madonna que uma mulher vai se transformar numa deusa.
Os Black Crowes evitaram essa cirurgia musical e se deram bem. A formação da banda é clássica e ajuda: vocal, duas guitarras (uma solo, outra base), baixo, teclados (de Ed Hawrysch, resgatando timbres e sonoridades que pareciam perdidos no tempo) e bateria. Completam o time - e dão o imprescindível acento soul - duas vocalistas (Barbara e Icy) resgatadas de um coro gospel de uma igreja de Georgia (terra dos Crowes).
Gravado sem maiores frescuras em apenas oito dias, 'The Southern...' tem 10 faixas que valem o quanto pesam. De 'Sting Me' (uma declaração de amor ao Facces) à releitura acústica de 'Time Will Tell' (de Bob Marley), o rock aparece na sua melhor cartilha - pesado, musculoso e bem tocado (há quanto tempo isso não era importante?). Lá estão temas pesados que se transformam em baladas e baladas que se transformam em temas pesados. Lá estão solos de guitarra precisos e pouco exibicionistas . Lá está, enfim, o rock and roll - esse garotão de 40 e poucos anos - se olhando no espelho e descobrindo que o seu passado é motivo de orgulho. E não de vergonha."

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