Palavras Domesticadas

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sábado, 1 de agosto de 2015

Entrevista com Luiz Carlos Maciel, o Guru da Contracultura (1997) - 2ª Parte

" Você falou de sua convivência com o Glauber. O Cinema Novo pretendia ser um cinema feito com recursos de terceiro mundo, com uma estética de terceiro mundo...
É, quando o Glauber começou a fazer os primeiros filmes, o cinema dito sério brasileiro estava praticamente desaparecido porque não tinha condições de sobrevivência. Tinha havido um movimento de cinema em São Paulo, uma tentativa de se fazer um cinema de categoria internacional através da companhia Vera Cruz. Isso era um fenômeno tipicamente juscelinista, correspondia àquele momento em que o Brasil estava querendo se desenvolver, queria sonhar em deixar de ser parte do terceiro mundo e começar a ser do primeiro. A Vera Cruz teve uma concepção hollywoodiana de filmes, de construir estúdios, de importar câmeras, o cineasta brasileiro que tinha feito sucesso na Europa, Alberto Cavalcante, voltou para o Brasil, vários diretores e técnicos foram importados, o cinema brasileiro era muito tosco. Mas isso tudo resultou num fracasso, quebrou. Então, que cinema se podia fazer no Brasil? O único cinema que dava pra fazer aqui era a chanchada carioca, principalmente filmes que eram feitos na época do carnaval. Quando chegava perto da época, saía um filme com as músicas de carnaval daquele ano. Eram aquelas chanchadas com Oscarito e tal, carnavalescas, aquilo dava dinheiro, mas não satisfazia aquela geração de novos cineastas. Houve um cineasta chamado Nelson Pereira dos Santos que fez o filme 'Rio 40 Graus'. Era um filme sobre o Rio de Janeiro e parecia um filme neo-realista italiano. Era um filme muito bonito, ele fez com pouco dinheiro. E esse filme inspirou esses jovens, o Glauber em muitos sentidos pode ser considerado como discípulo de Nelson Pereira dos Santos. 'Rio 40 Graus' inspirou Glauber a formular essa tentativa de fazer um cinema sério, responsável e com poucos recursos, uma ideia que acabou sendo traduzida na sua famosa declaração de 'uma câmera na mão e uma ideia na cabeça' ou 'uma ideia na cabeça e uma câmera na mão', né? Foi uma coisa estratégica, tática do Glauber. Anos mais tarde, eu até falo isso no livro ('Geração em Transe'), eu perguntei a ele se queria fazer Super 8 e ele respondeu: 'Eu gosto é de cinemascope' (risos).
Mas você admite que o Cinema Novo era coisa mais para intelectuais...
Sim, o Cinema Novo não conseguiu conquistar o grande público. A principal influência do Cinema Novo, como concepção, estrutura, e mise-en-scène é europeia. E o cinema europeu tem uma comunicação mais difícil do que o cinema americano porque, de uma maneira geral, é um cinema mais sofisticado, mais intelectualizado, um cinema mais épico do que dramático. O cinema americano é dramático, é feito para se comunicar com  as massas. O público brasileiro já naquela época estava completamente obstinado pelo cinema americano. O Glauber sabia disso e a grande luta dele era saber como destruir isso. E ele não conseguiu. Então, a grande glória, a grande conquista do Cinema  Novo era ganhar prêmios no exterior, nos festivais de cinema. O cara fazia o filme, no Brasil ninguém assistia, era um fracasso de bilheteria, mas ganhava prêmio não sei onde, um ganhou prêmio em Veneza, o outro em Berlim. Era um urso de prata, não sei o quê. Atualmente, parece que não ganha mais. Eu não sei, ainda existem festivais no exterior?
Existem.
Pois é, mas parece até que não tem porque não sai mais no jornal. Naquela época saía no jornal porque os brasileiros iam lá e ganhavam os prêmios. Então eu acho que o Cinema Novo embora não tenha cumprido esse objetivo que é fundamental, a conquista do público, do mercado, ele serviu para levantar a moral daqueles cineastas. A visão política do Cinema novo queria o público mas havia a coisa dele ter sido alimentado pela visão juscelinista, daquela coisa da arte nacional ser do primeiro mundo. E isso eles conseguiram com os prêmios lá fora.
Maciel nos anos 70
Ao mesmo tempo em que surgia o Cinema Novo, surgia o Tropicalismo na música, tinha o Zé Celso no teatro. Você considera que uma arte verdadeiramente brasileira estava surgindo? Qual era o objetivo desta arte?
Não acho que tenha sido a primeira arte brasileira, a arte brasileira tem sido feita há muitos anos, há muitas décadas. José de Alencar é arte brasileira, o Modernismo é arte brasileira.
Mas com influência europeia...
É, e continua tendo. O Cinema Novo, por exemplo, teve influência do 'Cahiers du Cinema'. O Tropicalismo teve influência americana, do rock, europeia, via  Beatles. O próprio Modernismo que foi uma coisa bem brasileira teve influência europeia, do Futurismo. Em primeiro lugar o Tropicalismo foi um movimento de superação da condição de colonização, de ser de terceiro mundo e de fazer arte de qualidade inferior. Isso era o que todo mundo queria. Porque Villa-Lobos era um compositor reconhecido internacionalmente, Oscar Niemeyer era um arquiteto reconhecido internacionalmente. Portinari também, agora não se fala mais tanto, mas na época era considerado de categoria internacional. Todo mundo queria fazer isso, a Vera Cruz queria, a Bossa Nova quis tanto que se lançou num show no Carnegie Hall, em Nova Iorque, para dizer que era terceiro mundo. Isso foi um primeiro momento. Depois, foi a coisa da arte interferir na vida social, de ter uma dimensão política, no caso do Cinema Novo, etc. E teve depois uma interferência no comportamento das pessoas, como no caso do teatro do Zé Celso, no caso do Tropicalismo. O Tropicalismo tem essa coisa de querer captar o Brasil mas também essa tendência contemporânea na época de revolução no comportamento, que acompanhou a contracultura e o rock. Então, primeiro tinha a coisa de ir para o primeiro mundo, depois tinha a coisa política, e , finalmente, essa coisa de modernidade, de atualização, de estar na vanguarda, de não fazer uma arte atrasada em relação ao que estava sendo feito na vanguarda internacional.
Muitos ideais dos anos 60/70 se perderam hoje. O que você pôde ver que se concretizou? Alguma coisa ficou?
Aquilo não era uma coisa para ficar, era uma coisa para transformar. Transformações aconteceram. Mas elas não foram na extensão, na profundidade, da natureza que se queria. Você não pode cancelar a experiência histórica. Ela é modificadora e vai sempre se modificar. Então, dos movimentos artísticos e culturais dos anos 60, você tem consequências, você tem efeitos. As coisas não seriam hoje da maneira como são se eles não tivessem existido. As coisas foram também moldadas pelo que eles fizeram. O que não quer dizer que seja como eles queriam que fosse hoje. Tudo aquilo teve um resultado real e não um resultado ideal que estava na nossa cabeça."
 (continua)

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