Palavras Domesticadas

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quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Belchior: Um Retrato 3x4 - Jornal de Música (1976) - 2º Parte

" 'Ele pintou por aqui em 74, trazendo debaixo do braço um LP de capa azul que tinha gravado para a Chantecler', lembra Roberto Menescal, diretor artístico da Phonogram, e homem que, em boa parte decide quem vai ser contratado por lá. 'Ouvi e não gostei. Admito até que estava com muita coisa na cabeça e não pude ouvir com calma. Mas continuo achando que o trabalho dele na época era indefinido,  só depois ele conseguiu uma unidade de mensagem'.
Menescal na segunda ouvida, mais de um ano depois, achou diferente:
'Não se estava dizendo mais nada na música popular brasileira. Belchior veio constatando o que houve, o que está havendo e que deve aparecer algo de novo.'
Boa parte do sucesso, que está em 40 mil cópias ('uma média bastante regular, de 2.600 discos por semana'), Menescal atribui ao 'batalhador' Belchior que saiu por aí 'disposto a acontecer de qualquer maneira'. Outro tanto ao produtor Mazola que resolveu boa parte dos 'problemas musicais' do cantor: 'Puxamos a voz dele pra frente na hora da mixagem, para não perder as palavras e ainda foi preciso equalizá-la um pouco, por causa do tom anasalado.' Belchior levou a Menescal uma fita com 20 músicas, que foram escolhidas, 'através de um processo que parece muito primário, até colegial'; as músicas foram mostradas a 12 pessoas de diferentes setores da companhia, e cada uma delas atribuiu uma nota a cada faixa. 'O resultado foi apresentado a ele como sugestão. Belchior fez uma ou outra modificação, mas em geral, as músicas do LP foram as que escolhemos.'
Quanto ao sucesso e à rescisão do contrato ('que ainda prevê quatro músicas e ele garantiu cumprir até o fim, em novembro'), Menescal se mostra apreensivo. 'Sempre disse a ele que o sucesso ia ser uma barra! Acho Belchior um cara muito preparado, menos para o sucesso. E nessa de vai ou não vai ser uma barra, acho que ele já foi.' Menescal explica, com naturalidade, a passagem de seu ex-astro para a WEA, 'onde ele vai ser a estrela principal do cast'. Comenta que, em geral, se reserva 5% do cálculo de prévia de vendas para ser aplicado em divulgação: 'Belchior  foi um dos maiores orçamentos de artistas recém-contratados. Não digo quanto porque os outros podem ficar chateados de não terem recebido tanto'. Menescal, porém, é definitivo, assinando a lápide do ex-produto: 'Nós continuamos investindo no disco, não na imagem de Belchior. Não vamos investir a longo prazo. Agora existe apenas um produto que merece atenção, enquanto estiver rendendo. Sob o ponto de vista da companhia, Belchior não existe mais'.
 Mazola, aliás, Marco Aurélio da Silva, 29 anos, o produtor que fez Belchior e o levou para a WEA, conta uma história mais emocionada. 'Quando ele apareceu na Phonogram, estava desmotivado da vida artística, ninguém lhe dava atenção. Convidei-o a gravar um disco, e ele ficou tão surpreso que chorou, dizendo que eu era o primeiro a sacar o trabalho dele'. Outra coisa que aguçou o interesse do experiente Mazola (produtor na Phonogram, do MPB 4, Elis Regina, Jair Rodrigues, Raul Seixas, Rita Lee) foram as diferentes opiniões que despertavam a voz 'parecendo aço' de Belchior: 'Uns diziam 'puxa, que voz ruim', enquanto outros achavam fantástico. A ideia inicial foi fazer um disco só ele, violão, baixo e guitarra. Mas, no estúdio, 'quando pintou uma bateria, piano, atrapalhou a dicção dele, porque ele precisava prestar atenção aos instrumentos e se desconcentrava'. Mazola chegou a mixar cinco vezes o LP Alucinação ('ia se chamar Populus, por causa de outra música, mas era tão complicada que não conseguimos gravar'). Com  a intenção de 'vender tudo junto, som  e mensagem', o produtor acabou optando por uma mixagem americana, 'onde a voz nunca tem destaque, ela é misturada ao conjunto'. (NR.: O que contradiz as informações de Menescal.) 'O disco saiu por Cr$ 200 mil, acrescentou Mazola. 'E precisa vender uma base de 27 a 30 mil cópias, pelo ponto de equilíbrio da Phonogram, para cobrir os gastos.'
Reconhecendo alguns erros, 'a bateria às vezes sufoca a voz', Mazola compara seu trabalho de produção a 'cuidar de um filho'. Para o LP de estreia na WEA, promete carinhos realmente paternais: 'Vou trazer o melhor engenheiro de som dos EUA,  o Umberto Gatica, que grava Rod Stewart e todo o pessoal da pesada. Vou buscar lá também um microfone caríssimo que as gravadoras brasileiras não podem ter, usado pelos grandes astros como Sinatra e James Taylor, projetado especialmente segundo a elaboração da curva de voz de Belchior'. Apesar de reconhecer parte importante na passagem de seu produzido de uma para outra gravadora ('pela afinidade que ele tem comigo'). Mazola desvincula-se do êxito de Belchior: 'O charme dele é ele mesmo, só lapidei um pouco as coisas. Ele já chegou pronto e é um tremendo cara organizado, o que facilita muito as coisas'.
Em  sua nova trincheira de trabalho - ele também passou-se da phonogram para a WEA, aliás, fundou a nova empresa - André Midani diz porque escolheu Belchior para  'primeiro contratado nacional': 'Da mesma forma que Tom Jobim (que veio para nós via Warner americana) representou uma ruptura, um marco, um ponto para onde confluíam todas as descobertas de harmonização e orquestração, embora fossem descobertas de outros, de Johhny Alf, João Gilberto, João Donato, e Belchior é uma ruptura no tempo presente. É a pessoa que reúne mais fatores capazes de torná-lo marcante na música de hoje, no Brasil. É um puta profissional. Não tem aquela vergonha, que a maioria dos artistas tem, de ganhar dinheiro com música. Esse pudor, vem da bossa nova, música era uma coisa de marginal, prostitutas, não ficava bem gente como Nara Leão, menina de classe média, de família, recatada, ganhar dinheiro com música. Belchior faz discos para vender, sabe que merece receber o máximo possível como paga pelo seu trabalho. Me lembra muito o Gil, que foi o artista com quem eu mais discuti, na Phonogram, os aspectos todos do fazer música. Mas Gil tinha sido administrador de empresas, via a coisa de outro modo, era uma contestação muito violenta, frequentemente extrapolava para um lado extremamente filosófico. Com Belchior a coisa é concreta, imediata, clara. É uma pessoa forte, no bom sentido ' "
(continua)

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