Palavras Domesticadas

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quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Raphael Rabello - Uma de Suas Últimas Entrevistas - Revista Jam (1997) 1ª Parte

Um dos maiores nomes do violão brasileiro de todos os tempos, Rafhael Rabello nos deixou precocemente, em 27 de abril de 1995. Mais de dois anos depois de seu desaparecimento, a revista Jam nº 6 (junho de 97) trazia uma entrevista até então inédita do grande músico, feita para o jornalista Guilherme Saraiva, concedida meses antes de sua morte. Foi uma conversa franca e até polêmica, da qual não concordo com tudo que ele falou, mas que reflete o pensamento de um dos maiores instrumentistas que esse país já teve. Segue abaixo a matéria:
"A história do violão de 7 cordas no Brasil e no mundo tem duas fases: antes e depois de Raphael Rabello. Na primeira, o instrumento aparece apenas em contraponto, desenhando as frases do baixo de valsas, chorinhos, fados, etc. Rabello inovou, ao utilizá-lo como instrumento de concerto, solando peças eruditas  e populares.
Infelizmente, a carreira brilhante de Raphael foi cortada por uma morte prematura. Mas ele já havia feito um trabalho suficientemente importante para que seu nome permaneça como um dos grandes instrumentistas na história da MPB. Nesta página e nas seguintes, JAM publica uma entrevista inédita, concedida por ele alguns meses antes de sua morte ao repórter Guilherme Saraiva durante alguns dias de apresentações em Recife.
A entrevista é interessante por mostrar, ainda vivo, o pensamento desse brilhante músico. Pensamos, a princípio, em editá-la, para tirar um pouco do lado mais técnico e das referências pernambucanas (Guilherme tencionava publicá-la em alguns veículos da imprensa local, o que acabou não acontecendo). Acabamos decidindo por deixá-la exatamente como aconteceu e Guilherme escreveu. Um registro histórico que começa na linha seguinte.
'Esse violonista brasileiro de 31 anos e 24 de carreira, após gravar brilhantemente Jobim em Todos os Tons, tem como próximo projeto já confirmado, um CD em dueto com ninguém menos que Paco de Lucia. Sua discografia compreende oito lançamentos, dois quais seis estão saindo no mercado dos Estados Unidos, este ano. Dentre mais de 400 participações em discos de outros artistas, no Brasil e exterior, a faixa 'Further to Fly', do CD Rhythm of the Saints de Paul Simon; além de embelezá-la com seus dedilhados de mestre, Rabello  fez com que o ex-Beatle Ringo Starr também participasse no violão, em vez de na bateria.
Nesta entrevista concedida na semana passada, Raphael Rabello revela que seu grande professor foi o pernambucano Jaime Florêncio Meira e desaprova a 'performance' de Egberto Gismonti como violonista. Comenta a 'Chaconne' de Bach e outras peças que exigem igual virtuosisimo no violão. Descreve os instrumentos que possui e fala de suas preferências quanto a cordas e microfone. Músico sem quaisquer preconceitos, Rabello (que já trabalhou com Elizeth Cardoso, Marisa Monte, Paulo Moura, etc) confessa apreciar o rock do Dire cStraits, Prince, e considera o guitarrista Stecie Ray Vaughan 'totalmente genial'. Sobre a tradicional  e excelente fama dos violonistas pernambucanos, ele declara que 'João Pernambuco é definitivo' e (citando os contemporâneos João Lyra, Henrique Annes e Caio Cezar) comenta: 'Gente muito boa e séria, que estuda o toca pra valer'.
Jam - Certa vez, Paulinho Nogueira, que foi professor de Toquinho, disse: 'Violão é o instrumento mais fácil de ser mal tocado e o mais difícil de ser bem tocado'. Concorda com ele?
Raphael Rabello - Inteiramente; é uma frase de grande sabedoria e eu não sabia que era do Paulinho.
Jam - Seu instrumento tem 7 cordas; há um bordão adicional que permite uma harmonização mais ampla nos baixos. Quanto à afinação, você trabalha só com  a tradicional 'mi, si, sol, ré' ou utiliza variantes?
Raphael Rabello - Eu sempre uso variantes, a meu gosto e de acordo com as peças que toco. Mantenho a afinação tradicional até a quinta corda e vario muito nos dois últimos bordões, sobretudo na sétima corda que afino em dó, si, lá e às vezes em ré.
Jam - Guardadas as devidas proporções, as fábricas de violão Giannini e Di Giorgio sempre mantiveram uma acirrada disputa de mercado, semelhante à da Pepsi versus Coca-Cola. Qual das duas produz o melhor violão ou o menos ruim?
Raphael Rabello - Nenhuma das duas fábricas. Eu espero que elas melhorem cada dia mais, porém rezo pra não ter que tocar em violão de nenhuma dessas marcas.
Jam - A tecnologia já criou violões de boa qualidade com sistema de amplificação própria, como o Gibson e o Takamine, mas você continua fiel aos instrumentos totalmente acústicos. O 'pinho' puro dá melhor resposta?
Raphael Rabello - Eu tenho restrições quanto ao uso desses sistemas, pelo fato de não traduzirem ainda o som verdadeiro do violão. Prefiro tocar em bons instrumentos acústicos e usar um bom microfone, o De Byll da fábrica alemã Sunriser.
Jam - Quais são seus violões?
Raphael Rabello - No total, são cinco: dois de 7 cordas, fabricados no Rio de Janeiro por Márcio Passos, e três de 6 coras, espanhois da marca José Ramirez. Desses três violões espanhois, dois são clássicos e o outro é flamenco.
Jam - Egberto Gismonti, vez por outra, está pilotando um violão de 14 cordas, dessa marca José Ramirez. Qual a sua apreciação.
Raphael Rabello - Egberto Gismonti é um pianista muito talentoso, um músico brilhante que tem uma concepção própria, mas toca violão só ocasionalmente e muito mal. Como violonista, eu não posso avaliá-lo, porque acho que ele não conhece o instrumento; nem o violão de 6 cordas, quanto mais o de 14! Então, ele procura criar efeitos nas 14 cordas do violão. Seria melhor se ele continuasse buscando os efeitos nas 88 cordas do piano, que faz muito bem.
(continua)



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