Palavras Domesticadas

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segunda-feira, 25 de abril de 2016

Maria Bethânia - Revista Pop (1973) - 2ª Parte

"O mesmo jeito e facilidade para os trabalhos manuais Bethânia tem também na cozinha. Sem empregada, não se afoba.
'Adoro cozinhar. sei fazer de tudo. De tudo mesmo. Aprendi lá em Santo Amaro, com minha mãe, olhando ela fazer.'
De volta à sala, ela acende um incenso e coloca dentro de um defumador de prata. Em seguida, põe em ordem alguns enfeites que estão sobre um grande móvel.
'Eu transo muito essa arrumação, sabe? Sou a rainha do detalhe. E a casa ainda não está como eu quero. Assim que tiver tempo, vou encher as paredes e os portais com mil coisinhas de prata, de cobre, de tudo.'
Com o ambiente perfumado pelo cheiro de incenso de sândalo, Bethânia se atira novamente no sofá de couro e mostra um beija-flor na árvore que quase entra pela janela aberta.
'Ele vem aqui todos os dias. Vou comprar um vidrinho para colocar água com açúcar e encher tudo aqui de beija-flor.'
Lá longe, o mar da Barra, muito azul, bate na praia.
'Não transo muito praia, não. Morei anos em Ipanema e nunca fui à praia lá. Não leio jornais, não vou ao cinema, ao teatro, não quero saber de nada. Mas não perco as novelas de televisão. Adorava 'Selva de Pedra', nunca perdia um capítulo. Morria de chorar quando a Simone beijava o Cristiano, escondidos de todo o mundo. Adoro essas coisas, romance, ternura...
O trabalho? 'Uma rotina constante. Sempre estou fazendo shows, gravando Lps, viajando com show para outros estados. Sempre a mesma coisa.
Não muda. Mudam as músicas, os textos, as viagens. Mas é sempre a mesma coisa. Meu roteiro é sempre o mesmo. Agora, o Pierre Barrouch me chamou para cantar no teatro dele em Paris, mas acho que não vou, não. Não estou aguentando mais a Europa. Sei lá. Pode ser que até lá tudo mude. Não me preocupo muito com as coisas. Elas acontecem pra mim sem fatalidade. Até novembro está tudo marcado para mim. Agora, um show dirigido por Fauzi Arap, no Teatro da Praia, e que vai ter o nome do meu último Lp: Drama. Quero ver se tiro o prêmio deste ano, com esse show. E vou tirar, sim.'
 Ela não nega a fixação que tem pelo palco.
'É engraçado. Eu não gosto de teatro. Vou raras vezes assistir a um espetáculo. Mas adoro curtir um palco. Acho a  glória, a maravilha. É a minha vida. Esqueço tudo. Acho tudo legal.'
Das últimas apresentações na Europa trouxe saudades da Alemanha. Correu todo o país, foi também a três cidades da Áustria, a Amsterdam, Oslo, Roma e Milão.
'Na Itália não tem grandes novidades. O pessoal já me conhece. Já estive lá. Mas na Alemanha foi a glória. Além de show, gravei programas para a televisão, fiz programas de rádio, e gravei um disco. Nos espetáculos éramos eu, Sebastião Tapajós, que tocava seu violão clássico, Paulinho da Viola e Pedro dos Santos, que deixou os alemães de boca aberta com sua percussão. Eu cantava pontos de macumba e músicas do nordeste. Os teatros se enchiam sem parar, só estudantes. Achei o público jovem alemão interessadíssimo. Os caras lá queriam saber tudo. Sabe aquela coisa de ir no camarim pedir autógrafo no final do espetáculo? Pois é. Foi maravilhoso. Um delírio.'
A excursão foi encerrada na Itália, com um festival de folclore, onde ela se apresentou ao lado de cantores populares do mundo inteiro. Do texto do show ela ainda não quer falar.
'Gosto de fazer mistério. O que posso dizer é que vai ter trechos de Fernando Pessoa e Clarice Lispector, e mais nada. Vai ser o contrário de Rosa dos Ventos, que foi um show celestial. Drama são coisas da vida. Uma fagulha do que eu sou. De tudo o que faço em teatro com o Fauzi.'
Com Caetano, no estúdio
Drama vai ficar em cartaz até julho. Em agosto Bethânia tira férias e se manda pra Bahia. Em setembro vai fazer o circuito universitário em São Paulo e em outubro, o TUCA, também em São Paulo, sempre com Drama.
Na casa na estrada das Canoas, Maria Bethânia vive tranquila em meio ao verde da floresta. Não tem vizinho por perto. Toda a natureza e o silêncio ao redor pertencem a ela. Está muito bem guardada e protegida por uma enorme figa de madeira e prata, pendurada no portão da entrada, que só é aberto pelo empregado. Só sai em ocasiões especiais: quando tem que viajar ou quando está a fim de curtir sua Yamaha 125, que ela chama de Honey Baby. A velocidade é uma das suas grandes paixões."

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