Palavras Domesticadas

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domingo, 19 de junho de 2016

Astrud Gilberto - Jornal O Globo (2000) - Parte I

Astrud Gilberto é uma cantora que se destacou no cenário da Bossa Nova. A ex-esposa de João Gilberto fez carreira nos Estados Unidos e lá permaneceu, fazendo shows e gravando seus discos. Dona de uma voz suave e afinada, que se encaixava bem ao estilo intimista da Bossa Nova, Astrid participou de importantes gravações e fez uma bela carreira nos EUA. Na verdade, ela é mais conhecida lá do que aqui. Apesar do sucesso e do reconhecimento, a cantora sempre preferiu levar uma vida discreta e um tanto reclusa, longe dos palcos e dos holofotes. Em sua edição de 27/02/2000, quando estava prestes a completar 60 anos, o jornal O Globo fez uma matéria com Astrud, assinada por João Ximenes Braga, correspondente do jornal em Nova York. A matéria é intitulada "Mistérios da original senhora de Ipanema":
"Helô Pinheiro que nos perdoe, mas nos EUA 'a garota de Ipanema' é um aposto para o nome da baiana Astrud Gilberto. Ou melhor; como em 29 de março a cantora estará completando 60 anos de idade e a canção já ganhou uma infinidade de versões desde que a sua, ao lado do saxofonista Stan Getz, chegou ao quinto lugar da parada americana em 1964, Astrud agora é apresentada como 'the original girl from Ipanema'. Sim, o verbo está no presente porque, apesar dos boatos que circularam recentemente no Brasil, o filho e empresário da cantora, Gregory La Sorsa, afirma que ela não abandonou a carreira, lembrando que nos últimos anos ela lançou dois discos e gravou duetos com astros internacionais como George Michael e Etienne Daho.
De fato, os anos 90 viram Astrid em maior atividade que nas duas décadas anteriores. A cantora lançara 12 álbuns entre 1963 e 1971, e depois deu um longo sumiço do mercado fonográfico, durante o qual apenas 'Astrud Gilberto plus the James Last Orchestra', de 1987, teve distribuição internacional, pela Verve. Mas em 1999 o mercado americano ganhou um álbum ao vivo inédito, 'Astrud Gilberto live in New York', pelo selo MVP Japan, e três coletâneas lançadas por diferentes selos. Exclusivamente na Ásia, saiu 'So and so, Mukai meets Gilberto', em que ela canta músicas brasileiras com produção do japonês Shigeham Mukai. Para este ano antigas gravações de Astrud estarão presentes em pelo menos sete discos nos Estados Unidos, de homenagens a Stan Getz e Antonio Carlos Jobim a coletâneas de sucessos do jazz.
O que Astrud não faz é dar entrevistas. Em conversas com alguns de seus amigos - muitos dos quais se recusaram a colaborar com esta reportagem mesmo sob a promessa de anonimato por medo de aborrecê-la - ouve-se descrições como 'uma mulher muito difícil'. Aparentemente, nada que se equipare às folclóricas excentricidades de seu primeiro marido, João Gilberto, com quem tem um filho, João Marcelo Oliveira, que é músico e técnico de som e também vive nos EUA.
Com Stan Getz
Astrud também é descrita como sociável e generosa. Mas muito tímida. O editor do jornal 'The Brasilians' (com 's' mesmo), Edilberto Mendes, lembra que foi necessário um certo esforço para que ela aparecesse para ser homenageada na festa anual da Little Brazil em 1998:
- Nunca vi uma pessoa tão tímida. Ela ficou o tempo todo no camarim, só saiu quando foi chamada ao palco para receber a homenagem, e logo foi embora - lembra, - Mas é muito gentil, depois escreveu uma carta dizendo que havíamos tocado seu coração.
O pedido da entrevista deixado na secretária eletrônica de seu apartamento na Filadélfia - no final do ano passado, ela vendeu o de Nova York e  voltou à cidade onde morou como o segundo marido, o americano Nick La Sorsa, também seu empresário nos anos 70 e 80 - é respondido via e-mail por Gregory. A negativa é gentil, mas firme. Mesmo quando se aponta a necessidade de se escrever sobre Astrud: afinal, ela é uma das maiores embaixadoras da música brasileira no exterior, mas que continua praticamente desconhecida em seu país natal.
A história do surgimento de Astrud segue a tradição de lendas hollywoodianas da garota da porta ao lado que vira estrela por acaso. Ela acompanhava João Gilberto nas gravações do lendário álbum com Tom Jobim e o saxofonista americano Stan Getz, quando o produtor Creed Taylor descobriu que ninguém ali dominava o inglês. Astrud falava a língua, ainda que com sotaque, e foi convidada a cantar as versões mesmo sem ter experiência profissional. Lançado pelo selo Verve em 1964, o álbum 'Getz/Gilberto, featuring Antonio Carlos Jobim', sem Astrud nos créditos, não causou muito impacto. Mas no ano seguinte, Taylor tirou os versos em português cantados por João em 'The girl from Ipanema' e lançou o single só com a voz feminina e uma incorreção gramatical: Astrud mudou o verso 'She looks straight ahead, not at me' ('ela olha para frente, não para mim') para 'not at he (não pra ele), em vez de 'not a him'. O álbum virou o maior recordista de vendas no jazz até então. E mais, disputou palmo a palmo as paradas de sucesso com os então imbatíveis Beatles.
- Eu fiz arranjos pra uma turnê dela em 1974 pela África - conta o músico Dom Salvador, nascido em São Paulo mas radicado nos Estados Unidos desde o fim dos anos 60. - Ela estava no auge, seus shows eram sempre sold-out em qualquer lugar. E seus seguidores são fiéis até hoje. "

(continua)

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