Palavras Domesticadas

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domingo, 5 de junho de 2016

Paulinho da Viola Lança Disco Para o Mercado Externo (1993)

Após 5 anos sem gravar, Paulinho da Viola glançaria um disco para o mercado externo, em 1993. Na ocasião, o jornal O Globo em sua edição de 10/10/93, fez uma matéria sobre esse disco, e os rumos que o samba vinha tomando na época. Paulinho faz críticas ao chamado samba 'suingue', distante das raízes, e que representava uma diluição comercial ao estilo que tem em Paulinho um de seus mais importantes representantes. A matéria, assinada por José Domingos Rafaelli e Mauro Ferreira, traz como título "A viola sai do fundo o baú", numa referência a um grande sucesso de 1972 do compositor . Abaixo a matéria:
"Paulinho da Viola foi profético quando, em 1975, escreveu versos como 'Tá legal, eu aceito o argumento/ Mas não me altere o samba tanto assim'. No momento em que um samba deturpado domina as paradas, o autor de 'Argumento' voltou aos estúdios, depois de cinco anos de voluntária ausência, para regravar alguns de seus sucessos em um CD destinado ao mercado externo. Com a habitual elegância, ele critica o atual 'samba':
- O ritmo do samba ficou comprometido nessa coisa que se chama 'suingue'. Antes, todos tocavam em função de todos. Agora cada ritmista faz o seu solo. Isso compromete o verdadeiro ritmo do samba. No meu modo de ver, a coisa está empobrecida. Eu me surpreendo com  a multiplicação dos artistas populares, mas já não é possível falar no samba como uma música fechada no tempo. Até há pouco existia a comunidade do samba. Agora já não tem mais. Existe uma corrente jovem, que tenta fazer coisas diferentes. Os tempos já são outros - resigna-se.
Aos 50 anos, cabelos grisalhos, Paulinho mantém sempre a fala mansa e diplomática. Explica que, desta vez, ele ficou cinco anos sem gravar porque não estava satisfeito com o material que tinha em mãos. Cancelou duas vezes o estúdio marcado - em parte por causa de problemas enfrentados com as obras de seu novo apartamento - mas talvez comece a gravar ainda este ano o sucessor de 'Eu Canto Samba', seu último disco, gravado em 1988 e lançado em janeiro do ano seguinte. Já tem algumas músicas prontas.
- O disco é importante no meu trabalho, mas não é imprescindível - sentencia.
Esse trabalho, que conjuga as raízes do choro e do samba, completa três décadas no próximo ano.  Em 1964, Paulinho começou a atuar como músico profissional, cantando no lendário bar Zicartola. Ao olhar para trás, ele espanta-se ('Vou fazer 30 anos como profissional!') e esquiva-se de fazer um balanço da (rica) trajetória.
- O meu samba tem se modificado, mudou muito. Só que eu não sei falar sobre misso. As coisas mudam, a vida muda... Já se arrebentou várias vezes com a linguagem, mas e daí? É claro que existe uma mudança constante no homem. É curioso, mas percebi que nunca consegui realizar o que projetava. Idealizava uma coisa e saía outra. Agora me acostumei com a ideia de que eu não sei o que é. Não faço mais planos para a  minha carreira - revela.
O sambista que sempre valorizou o trabalho da Velha Guarda tem ouvidos abertos para o mundo. Amante de jazz (é colecionador de discos do gênero), Paulinho fez a defesa de Jorge Benjor, no júri que elegeu o autor de 'País Tropical' como vencedor do próximo Prêmio Shell para a Música Brasileira. Gosta do 'Zé Pretinho', mas se diz sem condições de avaliar o atual sucesso do colega. Espécie de unanimidade na MPB e no rock, Paulinho outro dia foi alvo do papo de Lobão, que lhe disse que estava estudando violão e pensava em largar o rock. O sambista também tem conversado com Marisa Monte, sem querer impor suas 'raízes'.
- Marisa ouve muita coisa de samba, mas quando grava alguma coisa, o faz com linguagem mais pop. É natural. Sei que a célula do samba está viva. Fui em 1986 ao Japão e vi que lá tinha escola de samba. Levei um susto - admite o sambista.
Susto levaram também os técnicos de gravação do estúdio Impressão Digital com a forma de Paulinho gravar esse novo CD, que será lançado na Europa, e posteriormente no Japão, pelo selo alemão Network. Ele fez o que não conseguia fazer desde 1968, ano em que as gravações de disco deixaram de ser realizadas em dois canais: reuniu os músicos com informalidade no estúdio e todos tocaram seus instrumentos ao mesmo tempo, como antigamente.
- Os técnicos ficaram desesperados - conta Paulinho.
Saudoso, Paulinho lembra que quando era contratado da EMI-Odeon, nos anos 70, tinha o estúdio livre para gravar à sua maneira. Ele levava algumas ideias para o estúdio, reunia os músicos e a criação do disco acontecia durante as gravações.
- Agora isso não é mais possível - conforma-se.
Foi possível devido a esse projeto singular. Paulinho reuniu no Impressão Digital o violonista César Faria (seu pai), o baixista Dininho, o tecladista Helvius Vilela, o baterista Hércules e os ritmistas portelenes Celsinho e Cabelinho. O samba elegante de Paulinho chegará ao exterior dia 27 de dezembro, data programada pra o lançamento do CD da  Network. A ideia de gravar com Paulinho foi de um dos produtores do disco, o jornalista e radialita Rainer Skibb, que conheceu o autor de 'Sinal Fechado' quando trabalhava em São Paulo para uma emissora alemã e entrevistou Paulinho sobre música negra.
- Gostei do seu lado humano e fiquei impressionado com o  seu conhecimento. Não encontrei outro artista que conhecesse tanto a comunidade negra. Paulinho simboliza o lado do Rio que é querido no exterior - elogia Skibb.
Diretor do selo Network, Christian Scholze conheceu a música de Paulinho da Viola ao ouvir discos da coleção de Rainer Skibb. Ao retornar à Alemanha, depois de longa temporada no Brasil, Skibb levou pilhas de discos de MPB.
- De todos, os que mais gostei foram os discos de  Paulinho. Ele tem soul. Sua música tem energia. Por isso o escolhemos - justifica Christian.
Paulinho da Viola, enfim, tirou sua viola do fundo do baú."

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